Dois anos após ter sido elevada à categoria de cidade, a Figueira da Foz inaugurava, a 3 de setembro de 1884, o então denominado Teatro-Circo Saraiva de Carvalho. A traça do imóvel é assinada por José Luiz Monteiro (1848-1942), engenheiro da Câmara Municipal de Lisboa (também autor da Estação do Rossio), e “começou a ser edificado em 25 de março de 1883”, usando muita mão de-obra local.
A Figueira da Foz também é citada por Ramalho Ortigão em As praias de Portugal: “Na Póvoa, assim como em Espinho, na Foz, na Figueira, em todas as grandes praias, a concorrência em volta do pano verde é das mais curiosamente variadas. Homens de todas as condições sociais, proprietários, funcionários públicos, capitalistas, professores, literatos, militares com os seus uniformes, sacerdotes com as suas coroas”.
Ensina-nos a Profª Irene Vaquinhas: “No momento em que o jogo constitui ‘a grande febre da época dos banhos’ e um dos principais atractivos da animação estival, nas estâncias balneares, o Teatro Circo irá reconverter-se, no ano de 1895, em casino, dando início a uma nova etapa na sua história, a qual se prolonga até à actualidade”.
À Sociedade Teatro-Circo Saraiva de Carvalho, Lda., sucede a Sociedade de Turismo Figueirense, Lda., e é no Teatro-Circo Saraiva de Carvalho que se vai instalar o jogo legal no ano de 1928.
AUTORIZAÇÕES, CONCESSÕES E DESENVOLVIMENTOS
No final da I Guerra Mundial, a propaganda apresentava a Figueira da Foz como “a praia mais próxima de Madrid”, muito frequentada por espanhóis. A inauguração do último troço da Linha da Beira Alta, em 1882, foi decisiva para assegurar a ligação ferroviária ao país vizinho e facilitar a morosa ligação a Coimbra. Uma publicação do Museu Municipal Figueirense refere que, no final do século XIX, esta extensa praia chegou a ser conhecida como a “Biarritz Portuguesa”.
Após a I Guerra Mundial, “as praias atraem um número crescente de banhistas e as referências aristocráticas da ‘vilegiatura marítima’ tendem a esbater-se face à emergência do turismo, entendido cada vez mais como um fenómeno de massas e uma indústria a promover”, como escreve a Profª Vaquinhas.
A 29 de junho de 1928, é redigida uma ata do contrato celebrado entre o Governo e António Sotero de Oliveira, médico local, benemérito na camada populacional mais desfavorecida, e cujo nome ainda hoje é recordado. Provavelmente, ele foi um forte representante de um núcleo de empresários que conquistava a primeira concessão que tinha um prazo de 30 anos. Pelo não cumprimento da cláusula contratual de construção de um hotel (exigência escrita no ponto 3 do artigo 28º da primeira Lei de Jogo), foi a concessão rescindida pelo Estado em 1937, só voltando a ser posta a concurso em 1948.
O desenvolvimento turístico da cidade é prejudicado e a Comissão Municipal de Turismo de então empenha-se na abertura de um novo concurso. Em 29 de maio de 1948, o decreto-lei n.º 36.890 determina um segundo concurso, com um ponto de interesse no contrato: a “dispensa da entrega ao Estado do Casino e seu mobiliário ou utensilagem no fim do prazo da concessão”. Venceu este concurso público a Sociedade Figueira Praia, S.A.R.L. (constituída formalmente em 20 de julho de 1948 por empresários figueirenses), prolongando-se esta concessão até 1958.
É neste período que se produzem investimentos que suportam o futuro da cidade turística. Inaugurado com pompa e circunstância em 28 de junho de 1953, fruto das obrigações contratuais de jogo, surge o Grande Hotel da Figueira. O decreto-lei n.º 41.562, de 18 de março de 1958, veio simplificar o regime financeiro, definindo as formas e pagamento e os encargos tributários das empresas concessionárias. O jogo e o casino apelavam acima de tudo aos turistas estrangeiros, muito particularmente aos espanhóis.
A quarta concessão (1969-1988), atribuída à mesma empresa figueirense por adjudicação direta, é um benefício pelo facto também da empresa concessionária ser proprietária do imóvel. Em 1969, com a assinatura deste contrato de concessão e a compra do Palácio Sotto Maior e terrenos adjacentes, iniciou-se o grande período de expansão da empresa.
Pelo decreto regulamentar n.º 81/80, de 17 de dezembro, foi adjudicada nova concessão à Sociedade Figueira Praia, S.A.R.L., tendo esta prescindido de oito anos de concessão ao argumentar que estavam praticamente cumpridas as obrigações do contrato anterior.
Na Câmara Municipal local, o então presidente Joaquim Manuel Barros de Sousa e o vereador Manuel Saraiva Santos “travaram um diálogo intenso com os representantes da concessionária, em contacto com Carlos de Oliveira Cardoso e Fernando Feteira Ribeirete”. O parecer foi aprovado por unanimidade em reunião da Câmara, com aval em sessão de Assembleia Municipal, de 28 de outubro de 1980.
Esta concessão (a quinta) iniciou-se em 1981 e decorreria até ao ano 2005. Contudo, prorrogou-se por mais 15 anos, com termo em 31 de dezembro de 2020. Por decisão governamental, e tal como sucedeu com os casinos do Estoril e de Lisboa, a concessão mantém-se, excecionalmente prolongada em razão do desastre pandémico, o qual afetou e continua a afetar severamente os casinos físicos portugueses (casinos de base territorial, assim denominados normativamente).
Para as memórias, ficam as antigas festas à portuguesa, os festivais mágicos, da canção e de cinema, as garraiadas infantis e o célebre “Páteo das Galinhas”, que era uma esplanada de boas recordações.
O Casino da Figueira da Foz modernizou-se. Ultrapassada a pandemia, prosseguirá a sua missão e continuará a honrar a sua história no mesmo edifício que, no próximo dia 3 de setembro, comemorará o seu 137º aniversário. No magnífico Teatro-Circo Saraiva de Carvalho, o qual no ano de 1895, se havia já reconvertido a casino. No nobre e elegante edifício onde, desde 1928 até hoje, o jogo concessionado prosseguiu.