Na madrugada desta quinta-feira (24) e após de 30 anos, o texto do projeto PL 442/91 que libera cassinos, bingos e jogo do bicho no país foi aprovado pela Câmara dos Deputados por 246 a 202, derrotando tentativas de obstrução de grupos evangélicos e católicos, e sob críticas de parlamentares sobre a urgência de votar a proposta neste momento.
Para conseguir votar o texto, o relator do projeto, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), fez uma série de concessões para tentar diminuir a resistência. No entanto, ele no podo obter o apoio da oposição e de grupos religiosos, que passaram a apostar em um veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) à proposta. “Nós estamos para votar ou não, para aprovar ou não um projeto que gera polêmica. As polêmicas nós resolvemos no plenário. Eu sempre deixei claro que esta Casa teria autonomia para que o plenário decidisse sobre os mais diversos temas, sem preconceito de nenhum deles, quando fui eleito neste cargo”, afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Em quanto o Governo, ele deu liberdade a seus deputados, mas lembrou que Bolsonaro pode vetar o texto. “O Governo tem partidos com entendimentos diferentes, e o presidente da República manterá sua prerrogativa de veto caso o projeto tramite e chegue para sua apreciação”, disse o vice-líder do governo Evair de Melo (PP-ES).
HISTÓRIA DO PROJETO E MODIFICAÇOES DE CARRERAS
Os jogos de azar são proibidos no Brasil desde 1946, por decreto do então presidente Eurico Gaspar Dutra, que os considerou -absurdamente- “uma prática contrária à tradição moral, legal e religiosa do povo brasileiro”. O projeto votado foi apresentado pelo deputado Renato Vianna (MDB-SC) em 1991 e tramitou com alguma regularidade até 1995, quando travou. O tema foi retomado rapidamente em 2008, mas também sem avanços. Em 2015, foi criada uma comissão especial para debater o texto. O colegiado produziu um relatório, usado por Carreras como base para fazer seu parecer. O deputado protocolou um primeiro relatório no fim da noite de terça-feira (22), o que levou parlamentares contrários a pedirem ao menos 24 horas para conseguirem analisar o texto. Ao longo de toda a quarta, o relator percorreu bancadas de partidos para tentar negociar ajustes que permitissem eliminar parte da resistência ao projeto. O novo parecer, porém, só foi protocolado no sistema após 21h, quando a votação já tinha começado.
O parecer de Carreras busca regulamentar jogos de cassino, bingo, jogo do bicho, turfe (corrida de cavalo) e jogos online. Carreras incluiu em seu relatório cassinos turísticos (hotéis que poderiam explorar a atividade), e ampliou o número de licenças de cassinos em alguns estados, como Pará e Amazonas, em decorrência de sua extensão territorial. Outra mudança foi na possibilidade de cassinos em embarcações fluviais por um período de 30 dias para que não se configurassem como cassinos ancorados.
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS E POSSIBILIDADES PARA CASINOS E BINGOS
O deputado também falou sobre a redistribuição da chamada Cide-Jogos, contribuição de 17% incidente sobre a receita bruta decorrente da exploração da atividade. A contribuição será repartida entre Embratur, financiamento a ações do esporte, proteção a jogadores e apostadores, proteção animal, segurança pública, saúde e cultura. Para acomodar demandas de congressistas, o relator reduziu para 16% o percentual destinado aos entes federados (eram 20% para fundos de participação de estados e 20% para os de municípios) para contemplar recursos a ações de prevenção de desastres naturais e ao Fies (fundo de financiamento estudantil). De acordo com o texto, após o abatimento dos prêmios pagos, as operadoras deverão repassar diretamente ao financiamento da formação de atletas 0,68% da receita bruta. Desse percentual, 0,48% serão destinados ao Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) e 0,2% para o Comitê Brasileiro de Clubes Paralimpico (CBCP). O relator manteve a incidência de Imposto de Renda de 20% sobre o prêmio líquido igual ou maior que R$ 10 mil. Outro pleito que Carreras acatou foi a criação de uma agência reguladora que fará parte do Sistema Nacional de Jogos e Apostas, formado também pelo Ministério da Economia, operadoras de jogos e apostas e outros.
Para os cassinos, Carreras estabeleceu limites às licenças. Será concedida uma para unidades da federação com até 15 milhões de habitantes. Estados que tiverem entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes poderão ter duas, e os que tiverem mais de 25 milhões de habitantes terão possibilidade de receber três licenças. As licenças serão por meio de licitação do tipo técnica e preço proposto e maior proposta para obter a licença e com capital integralizado de R$ 100 milhões. Há vedação para mais de um estabelecimento por estado ao mesmo grupo econômico e mais de cinco para o mesmo grupo econômico no território nacional. O Executivo poderá conceder a exploração de jogos em cassinos em complexos integrados de lazer para até dois estabelecimentos, no máximo, nos Estados com dimensão superior a um milhão de quilômetros quadrados. No entanto, o relator vedou a construção de cassinos a menos de 20 km de áreas de proteção ambiental, de praias e de regiões ocupadas por populações tradicionais.
Em relação às salas de bingo, haverá a limitação de 1 bingo para cada 150 mil habitantes e um máximo de até 400 máquinas de vídeo bingo por estabelecimento. Por fim, em quanto ao jogo do bicho, o projeto indica uma limitação de quantidade por estado, com a liberação de 1 “bicheiro” para cada 700 mil habitantes em cada estado. Agora, será a vez do Senado brasileiro de assumir o cargo deixado pelos Deputados e avançar até a aprovação total do projeto.