Um passo à frente e dois passos para trás. Um novelo de linha emaranhado. Um labirinto intrincado do qual parece não haver uma saída clara. São várias as metáforas que podem ser utilizadas para tentar explicar o processo pelo qual se busca regulamentar as apostas esportivas (e o jogo em geral) no Brasil.
Em dezembro de 2018, a Lei 13.756 trouxe para o ordenamento jurídico a possibilidade das apostas de cota fixa. O Governo de Jair Bolsonaro tinha o prazo de dois anos, prorrogável por mais dois, para regulamentar o mercado, mas não o fez. Com isso, as regras para funcionamento desse mercado não foram estipuladas e ele prossegue livre do pagamento de impostos.
Com a mudança de autoridades, a partir da necessidade de encontrar recursos para quitar dívidas, o novo presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu ordem para que se avance com o assunto. O caminho mais rápido (e mais desleixado) foi uma Medida Provisória (MP). Mas isso, por meio de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também foi prolongado. A isto se somou um escândalo com a descoberta do que já se sabia: existe um mercado paralelo de apostas ilegais em que se arranjam alguns resultados esportivos, tendo como protagonistas os próprios jogadores das séries A e B do Campeonato Brasileiro.
No meio de tudo isso está o Congresso, com um cabo de guerra histórico entre diferentes interesses das forças políticas. Enquanto o Congresso quer fiscalização rígida, o Governo foca em tributação das apostas esportivas. De um lado, está o projeto de lei (PL) 845/23, de autoria dos senadores Jorge Kajuru (PSB-GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Do outro, a MP do ministro Haddad, que ainda está em estudo por Lula da Silva. Após a análise do presidente Lula e da Casa Civil, a MP será enviada ao Congresso Nacional. No Parlamento, a Medida deverá ser considerada em até 120 dias, e poderá ser aprovada, rejeitada ou alterada pelos parlamentares. Atrasos infinitos em um processo complicado que parece eterno. Internamente, há uma disputa entre Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara de Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), titular do Senado, sobre o rito de tramitação das MPs no Congresso Nacional. Enquanto que Pacheco quer retomar o rito anterior ao da pandemia da COVID-19, por meio do qual as MPs começavam a ser analisadas em Comissões Mistas formadas por deputados e senadores, Lira defende manter o rito de tramitação que vigorava durante a pandemia, no qual as Medidas Provisórias eram apreciadas diretamente no plenário, começando pela Câmara.
Fora desse debate técnico, mas também dentro do conflito, surgem as empresas de apostas. É que os números que constam na MP não agradam. Wesley Cardia, CEO da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), que representa 13 dessas companhias, diz que há detalhes sobre a tributação que precisam melhorar. “Os impostos previstos por MP para empresas e apostadores estão acima do que deve ser. Nosso caso, não é só 16%. Temos o imposto de renda, PSI/Confins, e demais. Portanto, o indicador é de cerca de 28% a 30%, o que fica bem acima do aceitável, que é 24%”, declarou o executivo.
MANIPULAÇÃO DE JOGOS DE FUTEBOL ATRAVÉS DE SITES DE APOSTAS
A discussão sobre o tema de apostas se intensificou após o Ministério Público do Goiás (MPGO) denunciar 19 pessoas por fraudes nos resultados de 13 partidas de futebol, na operação conhecida como ‘Penalidade Máxima’. De acordo com as investigações, identificou-se um esquema que envolvia a participação de jogadores e apostadores. Os jogadores recebiam verba de até R$ 100 mil para provocar, propositalmente, cartões amarelos e vermelhos e beneficiar apostadores. Os casos ocorreram em jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro, em 2022, e dos campeonatos Paulista e Gaúcho de 2023.
Em paralelo ao envio da MP e à tramitação do Projeto de Lei no Senado, a Câmara dos Deputados estabelecerá amanhã uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades em jogos por esquemas fraudulentos de apostas esportivas. A CPI terá como relator o deputado pernambucano Felipe Carreras (PSB), em tanto que o deputado federal piauiense Júlio Arcoverde (Progressistas) será o presidente da Comissão.
VOZES E RECLAMAÇÕES DOS PROTAGONISTAS
É claro que em ambos os debates interligados (regulação das apostas e manipulação de resultados), cabe a todos, sem exceção: Governo, Congresso, Confederação Brasileira de Futebol (CBF), federações estaduais, clubes e sites de apostas. Por exemplo, as entidades esportivas receberam, nos últimos anos, alguns milhões de reais em patrocínio de casas de apostas, mais não gastaram quase nada na educação de seus profissionais.
Para todo o ecossistema envolvido com o futebol, deve-se notar que a manipulação de jogos é um crime, tanto na esfera esportiva como penal. A penalização aos envolvidos em caso se dará no âmbito penal, com acusações como formação de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e dano moral coletivo. Mas essa punição não pode ficar restrita à Justiça Comum. O esporte também precisa banir os participantes no esquema.
Em relação às entidades, Cardia (ANJL) enfatizou: “As grandes prejudicadas são as casas de apostas. Elas estão pagando apostas manipuladas. Estamos em contato permanente com autoridades brasileiras e contratando um serviço que pode ajudar na detecção ações criminosas. Além disso, estamos investindo em programas de integridade do esporte, monitoramento de atitudes suspeitas, prevenção e bloqueio de contas e apostadores suspeitos para aprimorar ainda mais os controles, de modo a coibir atitudes e comportamentos ilegais”.
Do seu lado, o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR) presidido por André Gelfi assinou um acordo de proteção da integridade das apostas esportivas com a International Betting Integrity Association (IBIA), voz global sobre integridade para o setor de apostas licenciadas. O objetivo principal é desenvolver atividades que reforcem o monitoramento contra a manipulação de ações e confiabilidade em entidades esportivas e nas apostas em jogos online no país.
Entretanto, para o advogado esportivo Luciano Andrade Pinheiro, mais do que mecanismos de controle e detecção de fraudes, é necessário uma ação coordenada entre as partes para coibir esquemas fraudulentos de apostadores. “O que é preciso na verdade é uma ação conjunta, coordenada entre as casas de apostas, o Governo e as entidades de administração do esporte com vistas a educar atletas, fiscalizar e punir”, opinou.
Precisamente, esta semana, diferentes equipas de futebol brasileiro, como Corinthians, Flamengo, Vasco, Fluminense e Atlético-MG, promoveram palestras com seus elencos profissionais para orientar os atletas sobre apostas esportivas.
Com a vontade intacta de avançar definitivamente com a regulamentação do jogo (não só as apostas esportivas, mas também com outras modalidades de jogo online), tudo ainda está por definir no Brasil. Oxalá o país consiga sair do labirinto em que parece encurralado e tomar decisões que ordenem o mercado, estabeleçam regras claras e especifiquem um sistema de tributação justo e adequado para todos.
1 comentário
Pingback: A indústria de jogos no Brasil mostra seu desconforto com a falta de progresso na regulamentação – Gaming And Media