
Licenciada em Direito e pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito da União Europeia, Carla Vicente especializou-se em Direito do Jogo. Como Assessora Jurídica da Provedora de Justiça em Lisboa, Portugal, analisa queixas de jogadores e de trabalhadores do setor do jogo contra operadoras, o Serviço Regulador (SRIJ), e mesmo contra as disposições legais aplicáveis. Graças ao seu trabalho árduo e valioso, Vicente foi capaz de alcançar significativas alterações em práticas irregulares, algumas delas precedidas de alterações legislativas propostas por este órgão do Estado.
Com vários artigos e livros publicados, a colaboradora do site “O Jogo em Portugal” e da G&M News anunciou que seu novo livro Noção de Jogo. Consequências jurídico-práticas já está em pré-venda. O lançamento oficial será en marzo en Casino de Estoril com ilustres convidados.
UM TEXTO DE LEITURA ESSENCIAL
A obra analisa a noção jurídica de ‘Jogo’, também denominado ‘Jogo de fortuna ou de azar’, ‘Jogo de sorte’ ou ‘Jogo a dinheiro’, tendo sempre presente as consequências práticas da classificação de uma atividade como Jogo. Partindo de uma breve resenha da evolução histórica da noção de Jogo em cinco ordenamentos jurídicos (Bélgica, Espanha, França, Portugal e Reino Unido), por confronto com a noção atual em cada um deles, chega-se à conclusão de que a noção de Jogo é cada vez menos uniforme, sendo a sorte cada vez menos relevante como critério de sujeição de uma atividade ao Direito do Jogo. Em contrapartida, os elementos patrimoniais (investimento/prémio) são cada vez mais determinantes.
Mais do que censurar a obtenção de fortuna fácil através da sorte, o Direito do Jogo e a consequente noção de Jogo, cada vez mais neutros do ponto de vista axiológico, abrangem tendencialmente mais atividades, mesmo de perícia, com o objetivo último de proteger o jogador e a ordem pública (v.g. jogo problemático e criminalidade associada). Procura-se explicitar os motivos desta evolução e compreender os atuais limites do Direito do Jogo, o que exigiu o confronto com atividades de perícia, com o desporto e com os Esports, passando pelos fantasy sports, o fenómeno da monetização dos videojogos e a tendencial gamification dos jogos de sorte ou azar.
Consultada pela G&M News sobre os aspectos que a motivaram a escrever este texto, Carla respondeu: “O tema deste livro surgiu espontaneamente na sequência de profícua troca de impressões com o Senhor Professor Doutor Alexandre Mestre (especialista em Direito do Desporto) nomeadamente sobre a interconexão, em tantas vertentes, entre o desporto e o jogo, e sobre a importância de se estudarem os conceitos. Os Esports são, neste aspeto, um desafio para qualquer um destes ramos do Direito e, muito embora a discussão seja quase sempre centrada na sua qualificação ou não como desporto, esta atividade também já suscitou reações no âmbito do Direito do Jogo, em França e no Reino Unido conforme explicito no livro. Abracei o desafio descrever esta obra como forma de contribuir para a discussão de temas tão antigos como a decretada nulidade dos contratos de jogo, prevista nas normas civis, até temas tão mais recentes como a gamification dos casinos, as loot boxes, os fantasy sports e os já mencionados Esports”.
Sobre a questão de como controlar as novas modalidades de jogo (vídeo games, Esports), onde há tantos jovens envolvidos, Carla considerou: “Há cada vez mais ordenamentos jurídicos a adotarem medidas de proteção para crianças e jovens, nestas áreas. E se muitos dos aspetos a regular passam pelo Direito do Consumo, há outros que entram no âmbito do Direito do Jogo. Do ponto de vista do Direito do Consumo, é importante a existência de sistemas de classificação etária dos videojogos, tal como é providenciado pelo Pan European Game Information. E ainda que se conclua que um determinado videojogo ou uma determinada competição de videojogos não tocam, de modo algum, o mundo do Direito do Jogo, fará sentido importar deste ramo do direito toda a experiência consolidada no âmbito do jogo responsável”.
Por outro lado, ao nível dos Esports, Vicente agregou: “É necessário garantir que o público seja protegido. A preocupação assalta quando os streamings de videojogos são intercalados com demonstrações de jogo a dinheiro, publicitação de sites de jogo a dinheiro ou promoção de bónus para este tipo de jogo. Será necessário regular de forma mais ampla. Há que regulamentar a idade mínima dos participantes em Esports; determinar quem pode gerir e como podem ser geridos os prémios auferidos em competições, de modo a proteger os menores de adultos menos escrupolosos; estabelecer regras quanto ao horário e limites horários para prática dos Esports de modo a compatibilizá-la com a aprendizagem escolar e com os necessários tempos livres; há que criar um ambiente saudável para proteger os menores de abusos verbais ou de qualquer outro abuso ou situação de bullying”.