A indústria dos videojogos e dos Esports, perante os números avassaladores com que vai crescendo, clama por uma maior regulamentação, quer para providenciar segurança jurídica a todos os agentes económicos envolvidos delimitando-se, de forma clara, os direitos e obrigações de cada um, quer para garantir a protecção dos mais vulneráveis, nomeadamente, das crianças.
Se no caso dos jogos de fortuna ou azar, a indústria tem desenvolvido, por imposição legislativa ou auto-regulamentação, mecanismos de jogo responsável, a indústria dos videojogos e dos esports vai avançado nesse caminho. O que é tão mais necessário quanto existe uma interconexão crescente do mundo do gaming (entretenimento) com o mundo do gambling (jogos de fortuna ou azar), como no caso dos denominados casinos sociais, nas loot boxes e skins.
PROMOVER O JOGO RESPONSÁVEL
Assim, é de todo aconselhável que a indústria dos videojogos e dos Esports procurem beber, adaptando, os mecanismos da indústria dos jogos de fortuna ou azar para promover o jogo responsável, ou seja, as medidas adequadas a que o jogo seja utilizado como forma de lazer e não como uma dependência. Nesta perspectiva, veja-se o recente caso da Entain, empresa de apostas desportivas e de jogo de fortuna ou azar que, através da Entain Foundation (entidade com fins não lucrativos que atua, nomeadamente, na área da saúde mental e da educação para jogadores de risco), celebrou acordo, entre outros, com a Counter-Strike Professional Players Association, em fevereiro deste ano, para promover jogo responsável e corporate compliance também na área dos videojogos e dos esports.
E se no âmbito dos jogos de fortuna ou azar estão claramente definidas as regras relativas à participação de menores, sendo interdita, nos videojogos existe uma auto-regulamentação da indústria por via da Pan-European Game Information (PEGI), que providencia as classificações etárias para videojogos, em mais de 35 países europeus.
Por seu turno, a participação de menores nos Esports convoca uma panóplia de questões que vai além da preocupação da potencial adição ao jogo. Com efeito, quando se aborda a participação de menores em competições de videojogos, uma das preocupações continua a ser o vício do jogo devido à quantidade de horas que o treino exige. O passo seguinte, e que muitos na indústria dos Esports almejam, é a sua equiparação a desportos de alta competição. Com efeito, aqui, o discurso dominante não se detém na censura do número de horas que um menor treina. Aqui, ao invés da crítica e receio de desenvolvimento de vício, é-lhe elogiado o empenho, o foco, a determinação e a força de vontade.
MENORES E ESPORTS: QUESTÕES A CONSIDERAR
Vejamos sucintamente algumas questões que a participação de crianças em Esports convoca e um sumário exemplo de como têm sido resolvidas:
a) qual idade mínima dos jogadores de Esports? Os Esports atraem uma faixa etária muito baixa e a própria indústria de Esports almeja formar estrelas emergentes que, pela sua idade, detêm especial apetência. Em França, por exemplo, o legislador determinou que os menores de 12 anos não podem participar em competições de videojogos que ofereçam recompensas monetárias. Já no tão conhecido jogo Fortnite, a idade mínima permitida é de 13 anos;
b) qual o destino dos prémios auferidos? A legislação francesa estipula protecção especial para os prémios auferidos por menores de 16 anos, determinando a indisponibilidade de parte dele até à maioridade do jogador, com vista a impedir a exploração por pais menos escrupulosos;
c) proteção do público. Em Andorra, entendeu-se que os menores presentes na audiência das competições também devem ser objecto de protecção, pelo que o organizador deve informar o público se os videojogos não são aconselháveis para menores de determinada idade. Neste caso, têm de anunciar a possibilidade das imagens poderem ferir a sensibilidade dos espectadores;
d) qual deve ser o apoio do Governo? Enquanto em alguns países se discute se os Esports devem ser integrados no ensino regular, reconhecendo a sua valência na potencialização da aprendizagem, outros (v.g. Malásia) atribuem bolsas escolares aos talentos emergentes, à semelhança do que fazem no desporto convencional;
e) qual a responsabilidade das organizações de Esports? Enquanto há países que estipulam a prioridade da educação escolar, fixando uma classificação escolar mínima para que os jogadores de Esports possam prosseguir (v.g. Malásia), várias Federações de Esports já elaboraram códigos de ética que devem ser seguidos;
f) participação de menores sem autorização dos pais. Vários países, como França e Andorra, fixam sanções para o efeito;
g) contrato de formação com menores? Há casos de menores, com idade inferior a 10 anos, que são objecto de remuneração por equipas de Esports, sem que haja, na maior parte dos casos, legislação clara sobre o assunto;
h) qual o tempo máximo de treino aconselhável/permitido? A denominada ‘Cinderela Law’, na Coreia do Sul, impede os menores de jogarem, entre as 24h e as 6h00, mesmo em competições. A legislação está a ser revista para prevenir o jogo excessivo e a reequacionar ver esta medida, que tem sido contestada devido à necessidade de se introduzirem, no jogo, mecanismos de controlo de idade. Na China, uma empresa implementou, recentemente, o reconhecimento facial dos jogadores para impedir as crianças de jogarem durante a noite;
i) apostas ou publicidade a jogos de fortuna ou azar em competições de Esports onde participam menores? Em Malta e em Portugal, é proibido, por via da Lei do Jogo e do Código da Publicidade;
j) acompanhamento médico obrigatório? Necessário para prevenir lesões, em seres humanos em desenvolvimento, decorrentes da postura e do manuseamento contínuo e intensivo do hardware;
k) acompanhamento psicológico obrigatório? Vários são os clubes e Federações de Esports que dispõem de apoio psicológico para os seus jogadores, de modo a lidar com a pressão e potenciar o desempenho.
Conforme observado nesta grande variedade de assuntos, mesmo nas jurisdições onde os Esports já se encontram regulamentados, há apenas alguns aspectos sectoriais definidos. Falta uma visão de conjunto sobre as várias questões que convoca a participação de menores nos Esports, o que é necessário para que a indústria conheça, claramente, os limites da sua atuação e se construia um ambiente mais seguro para as crianças.