No dia 27 de abril apresentei o Modelo de Regulamentação do Jogo em Portugal, dados atuais e desafios futuros, no G&M Events European Summit 2023, que decorreu no Admiral Casino & Lodge San Roque, em Espanha. Com uma excelente organização, qualidade de oradores e de participantes, foi possível uma profícua troca de conhecimentos e de experiências que só um evento “boutique” melhor proporciona.
Para além de expor, em traços gerais, a atividade da Provedoria de Justiça nesta área, bem como o modelo de regulamentação do jogo em Portugal, quer territorial, quer online, deixo aqui alguns dos temas chave abordados e que me foram questionados (a):
a) para uma população de pouco mais de 10 milhões de residentes, Portugal tem 15 operadoras de jogo online licenciadas, estimando-se que em breve possa haver mais visto que não há limite numérico para a atribuição destas licenças;
b) há cerca de 1 milhão de pessoas registradas em operadoras de jogo online licenciadas, 340.000 registradas no último trimestre de 2022 (cada jogador pode-se registrar em diversos operadores);
c) o jogo online tem vindo a crescer todos os anos desde 2015, data em que foi legalizado: em 2020, a receita bruta foi de €335.9 milhões e, em 2022, foi quase o dobro, €659,4 milhões;
d) trata-se de aumentos significativos cuja explicação não é fácil tendo em consideração que o ordenado mínimo em Portugal é de pouco mais de €700/mês, o salário médio se situa em pouco mais de €1.200 e vivemos uma crise económica mundial. Certamente que o crescente aumento do número de estrangeiros residentes em Portugal poderá explicar este aumento (em 2022, vivia em Portugal quase 1 milhão de estrangeiros, número que não para de aumentar desde há 7 anos). Fator relevante também será a contínua migração de jogadores do mercado ilegal para as operadoras licenciadas (cerca de mais 15% em 2022, comparando com dados de 2020 (b)) ainda fruto, em parte, da recente legalização do jogo online em Portugal (segundo o último estudo promovido a pedido da APAJO, “a prática de jogo de portugueses em sites não licenciados ainda é significativa, embora pareça estar a diminuir (…) As metas traçadas por reguladores de outros países europeus situam-se geralmente acima dos 80% de canalização da atividade de jogo online para as operadoras licenciadas localmente, um limiar que parece ainda exigir algum esforço para ser atingido em Portugal”, nomeadamente, através de um reforço do combate ao jogo ilegal; o crescimento dos números acima enunciados também se deverá ao licenciamento de mais uma operadora em 2021;
e) pela primeira vez desde 2015, foi aprovado um novo jogo: o Crash. Esta aprovação, pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogo, foi requerida por uma operadora nos termos legalmente previstos no Regime Jurídico do Jogo online;
e) permanecem por aprovar alguns produtos já disponíveis em vários mercados regulamentados, como o live dealing ou as apostas em Esports, o que favorece as operadoras ilegais;
f) não existe tomada de posição conhecida, do Governo ou da entidade reguladora, sobre fantasy sports, daily fantasy sports ou loot boxes, nem sobre novas restrições à publicidade ao jogo, sendo de referir, quanto a este aspeto, a aprovação, em 2020, de um Manual de Boas Práticas de Publicidade de Jogos e Apostas; (c)
g) existem cerca de 200.000 jogadores autoexcluídos (cerca de 150.000 no jogo online), mas apenas cerca 200 estão a ser cuidados nas estruturas de tratamento da Rede Pública (d), situação que exige um repensar da política de jogo responsável ao nível da sua promoção e divulgação, mas também da afetação de verbas;
h) no futuro, há um desafio para Portugal e para o mundo do jogo em geral e que o Reino Unido já está a enfrentar (através de uma consulta pública que terminou em fevereiro de 2022): How broadly should the term ‘gambling’ be drawn? (e) Ou, por outras palavras, o que deve ser considerado Jogo?
Em Portugal, a noção de ‘jogo’ não tem alterações significativas desde 1989: “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”. A sorte é o fator dominante da noção e tem de ser predominante no resultado, o que nos afasta da tendência que vem sendo seguida noutros países (v.g. Reino Unido, Bélgica, França, Espanha), onde a sorte não deixa de estar presente na noção de jogo, mas foi abandonada como fator predominante na noção e como fator dominante no resultado do jogo. A Regulamentação do Jogo passa, segundo a opção adotada por estes países, a ser mais perspetivada como um instrumento para proteção da ordem pública (para evitar a prática de crimes como o branqueamento de capitais e a fraude) e para proteger o jogador, ao invés de instrumento de censura para os jogos de azar.
Mais importante, na noção de jogo passa a ser o elemento patrimonial que o jogo envolve: a aposta e o prémio. A partir daqui, abrem-se as portas à regulamentação de jogos de habilidade no Direito do Jogo. Perante o tendencial aumento de amplitude da noção de jogo adotada por diversos ordenamentos jurídicos e a mistura de elementos típicos de lazer meramente recreativo com elementos de jogo a dinheiro, bem como a imparável imaginação dos agentes do mercado (slot machines com elementos de habilidade, loot boxes, social gaming, skin gambling, live dealing, fantasy sports, daily fantasy sports, etc) há que parar para repensar. O que deve ser regulamentado como jogo? Tenha-se presente que os Esports foram especificamente regulamentados em França porque, de outra forma, seriam abrangidos pela noção de jogo e pela respetiva regulamentação. Também, os fantasy sports são regulamentados como jogo de um lado do mundo enquanto que o outro lado o encara como jogo de habilidade. Além disso, o poker é considerado como jogo de habilidade no Brasil e como jogo de azar em Portugal, e as loot boxes geram tomadas de posição diversificadas.
Afinal, o que é Jogo? A noção de Jogo adotada por cada ordenamento jurídico é, pois, da mais elementar importância, razão pela qual escrevi um livro sobre o assunto que vos convido a ler: Noção de Jogo – Consequências Jurídico Práticas.
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Notas de rodapé:
(a) Dados estatísticos disponíveis em https://www.pordata.pt; https://www.srij.turismodeportugal.pt/pt/publicacoes-e-estatisticas/estatisticas/.
(b) https://apajo.pt/pt/2022/11/25/campanha-contra-jogo-online-ilegal-lancada-no-arranque-do-mundial/
(c) https://www.srij.turismodeportugal.pt/fotos/editor2/diversos/Manual_Publicidade_vs2.pdf