O desenvolvimento do mercado de jogos e apostas tem vindo a introduzir significativas alterações no panorama de regulação de um segmento global em franca expansão, cimentando no contexto europeu modelos que procuram seguir esta tendência. O propósito é conferir maior proteção aos consumidores, particularmente os mais vulneráveis, prevenindo a fraude e reprimindo o jogo ilegal e demais atividades criminosas enquanto objetivos de interesse público. Os Estados Membros da União Europeia têm procurado garantir a eficácia na prossecução desses objetivos acompanhando as mudanças no mercado, através da progressiva transição de modelos proibicionistas e monopolistas para um modelo de regulação de licenciamento de operadores. O papel da entidade reguladora é decisivo para a eficácia e consolidação deste modelo emergente, tendo em conta, entre outros requisitos, a sua capacidade técnica, independência, celeridade e eficácia no exercício das competências que lhe são atribuídas no quadro normativo vigente.
A REGULAMENTAÇÃO DO JOGO RESPONSÁVEL EM PORTUGAL
Portugal acompanhou esta tendência. Através do disposto na Lei de autorização n.º 73/2014 de 2 de setembro, veio a introduzir alterações significativas no ordenamento jurídico do jogo e apostas, particularmente na exploração e prática das apostas desportivas à cota, quando praticadas à distância por meio de suportes eletrónicos, informáticos, telemáticos e interativos, ou de quaisquer outros meios (jogos e apostas online). Com efeito, o novo regime jurídico procedeu ao alargamento do âmbito da regulação do Decreto-Lei n.º 129/2012 de 22 de junho, que estabelece a orgânica do Turismo de Portugal, criando no seu seio o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos com um amplo espetro de funções em matéria de controlo, inspeção, regulação e sancionamento. Tratando-se de uma transição de um paradigma monopolista, enraizado ao longo de décadas no mercado offline, para um paradigma de licenciamento de abertura ao mercado online, é espectável que a tradução dos dispositivos normativos em condutas e mecanismos de funcionamento de operadores, consumidores e demais intervenientes do mercado seja marcada por etapas que progressivamente têm de ser implementadas, nuns casos, e ajustadas, noutros.
Na vertente não institucional, é justo reconhecer o importante trabalho que tem vindo a ser desenvolvido já há quase duas décadas por Luís Rebordão, fundador do domínio “jogoresponsável.com”. O domínio “jogoresponsavel.com” foi adquirido em 2004, antes portanto do Gambling Act de 2005 e do aparecimento da Gambling Commission UK em 2007. O “Jogo Responsável®” é marca registada em Portugal desde 2006. Em 2008, foi lançado o sítio na Internet “jogoresponsável.pt” e em 2009 foi criado o “Observatório do Jogo” com o objetivo de monitorizar o jogo ilegal. Posteriormente, em 2011, o “Jogo Responsável” foi a única entidade em Portugal que, em temas de responsabilidade social e jogo responsável, enviou um contributo para a Comissão Europeia, no âmbito do Livro Verde, em resposta uma Resolução do Parlamento Europeu. As respostas enviadas pelos vários Estados-Membros foram o escopo para as posteriores Recomendações da Comissão. Este documento encontra-se aliás, publicado no site da Comissão Europeia. No ano seguinte, em 2012, integrou um projeto internacional (Division on Addiction, Cambridge Health Alliance, a teaching affiliate of Harvard Medical School/Bwin Party) como provedor internacional de saúde. Para tal, foi disponibilizada uma linha de ajuda gratuita. Participou em 2013, no Grupo de Trabalho Interministerial, como membro não permanente e foi remetido um contributo para o SICAD, no âmbito do Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências (PNRCAD) 2013–2020.
Em 2016, foi criada a “Rede de Responsabilidade Social” que integra quatro sites nucleares: “Jogo Responsável” (prevenção do jogo excessivo, focando o consumidor de produtos de jogo online); “Jogo Seguro” (a segurança e qualidade com que o produto de jogo é fornecido aos consumidores); “Observatório” (divulgação dos impactos negativos do jogo ilegal na nossa jurisdição e relevo das boas práticas dos operadores licenciados); “RG Magazine” (Divulgação das notícias sobre e evolução nacional e internacional do jogo online). Por último, em 2018, colaborou na revisão do Decreto-Lei n.º 66/2015, diploma que aprovou pela primeira vez, o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, sendo certo que o site do “Jogo Responsável” e o site “Jogo Seguro”, têm vindo a ser permanentemente atualizados desde então.
CARACTERÍSTICAS DO JOGO RESPONSÁVEL
O Jogo Responsável está associado ao comportamento de um jogador que orienta as suas opções de jogo de forma consciente e racional, exercendo um controlo pleno do tempo e dinheiro que, em consciência, pode despender sem pôr em causa as suas responsabilidades familiares, sociais e profissionais. A legislação nacional vigente sobre esta matéria inspira-se em recomendações europeias e assenta nas boas práticas conhecidas e consolidadas que visam proteger os jogadores, salvaguardando a ordem pública, e controlar os riscos sociais associados ao jogo. Desde logo, a Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 64/2015, de 29 de abril) estabelece normas de caráter imperativo, cuja violação constitui um ilícito contraordenacional, no sentido de impedir o acesso aos casinos de menores, encorajar, coagir à prática de jogos de fortuna ou azar ou fazer empréstimos em dinheiro ou por qualquer outro meio a jogadores.
Por esta via, pretende-se, por um lado, proteger, não expondo aos riscos que os jogos podem comportar, grupos sociais mais vulneráveis e, por outro, desencorajar práticas descontroladas de endividamento dos jogadores. Em particular, no que respeita à prática do jogo do bingo, o Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 65/2015, de 29 de abril, impõe aos concessionários da exploração das salas de jogo do bingo, conforme decorre do nº 2 do artigo 5.º, obrigações específicas no âmbito de práticas relativas ao Jogo Responsável.
O PAPEL FUNDAMENTAL DAS ENTIDADES DO JOGO E DO ESTADO
Impende, pois, sobre aquelas entidades e, bem assim, sobre os seus trabalhadores, o dever de disponibilizar aos jogadores, em articulação com as entidades competentes na matéria, informação sobre problemas de dependência e adição ao jogo, e sobre as entidades que prestam apoio a jogadores com problemas de dependência e adição. As entidades exploradoras, de acordo com o artigo 7.º do RJO, têm o dever de elaborar um plano e adotar medidas que garantam a prática de jogo responsável e proporcionem ao público, em especial aos jogadores, a necessária informação, promovendo atitudes de jogo moderado, não compulsivo.
• O “Jogo Responsável” tem por objetivo a segurança do jogador
• O “Jogo Seguro” tem por objetivo a segurança do produto (o jogo)
O jogo responsável pretende, como o nome indica, tornar os jogadores responsáveis no que respeita às suas atitudes perante o jogo. Isto consegue-se através da educação (informação preventiva). Em última análise, não deveria haver espaço para o jogo problemático a partir do momento em que o jogador consegue controlar o tempo que pretende dedicar a uma sessão de jogo e o dinheiro que se disponibilizou a gastar na mesma. Ora daí decorre que a obrigação da entidade exploradora passa por disponibilizar informação para que o jogador conheça todas as particularidades do jogo que vai jogar (incluindo os riscos que incorre com uma abordagem inadequada), bem como as ferramentas ao seu dispor para controlar os dois fatores críticos: tempo e dinheiro.
A promoção de jogo seguro, bem como a salvaguarda de jogo responsável, cabe naturalmente a todas as entidades exploradoras de jogo, e muito particularmente ao Estado, que deve sempre optar por políticas públicas corretas. Essa é uma responsabilidade social fundamental no domínio do jogo.
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*Advogado de formação, José Eduardo Deus é Mestre em Gestão e Turismo (Universidade de Aveiro, 2004). Licenciou-se em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa em 1983, concluindo em 1994 uma Pós-Graduação em Direito da Comunicação, pela Universidade de Coimbra, em Portugal.
Ele é Inspetor de Jogos há 31 anos. Também foi conferencista no país e no estrangeiro sobre temas relacionados com o direito jogo e turismo, tem ministrado vários cursos sobre Direito do Jogo, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Tem vários artigos e livros publicados. Entre eles, foi co-autor do primeiro livro sobre o jogo em Portugal, em 2001, enquanto, em 2016, publicou também a co-autoria o livro “Fortuna ou Azar – Dupla Improvável”. Atualmente, é editor e responsável pelo site www.ojogoemportugal.pt.