O termo “Loot box” é bastante familiar para os gamers de todo o mundo. Em tradução literal, refere-se a uma caixa surpresa ou caixa de recompensa, e representa uma estratégia de microtransação desenvolvida para monetizar a experiência do usuário. Uma loot box pode ser obtida de diversas maneiras, seja como recompensa por completar atividades específicas ou alcançar determinados níveis no jogo, ou através da compra com dinheiro virtual ou dinheiro real. Nesta coluna, eu vou explorar mais a fundo o debate em torno das loot boxes: suas implicações éticas, seu impacto na indústria dos jogos e apostas e como a discussão tem se desenvolvido em diferentes jurisdições ao redor do mundo.
LOOT BOXES: ATRATIVOS E IMPLICAÇÕES ÉTICAS
O grande atrativo das loot boxes está na surpresa das recompensas. Os jogadores não sabem o que vão receber até que abram a caixa, o que pode resultar em itens raros e valiosos ou simples objetos comuns. Contudo, essa prática tem sido objeto de discussão recente. Especialistas apontam que as loot boxes se assemelham a uma forma de aposta, já que os jogadores investem quantias em dinheiro na expectativa de receber recompensas. Esse sistema de recompensa, por sua vez, seria capaz de impactar negativamente jogadores com tendências a comportamentos impulsivos.
Um dos debates em torno das microtransações em jogos, em especial as loot boxes, diz respeito às práticas (consideradas abusivas) de alguns desenvolvedores de jogos, que transformam a experiência do jogo em um modelo “pay-to-win”, ou pagar para vencer, em tradução literal. Nesse contexto, os jogadores são fortemente incentivados a gastar dinheiro real para progredir ou competir no jogo.
DISTINGUINDO LOOT BOXES E SUAS LEGISLAÇÕES
Por outro lado, é importante distinguir entre loot boxes que oferecem apenas itens de embelezamento (como skins ou visuais) e aquelas que contêm elementos importantes ou até mesmo indispensáveis para a competição. As primeiras podem ser vistas como uma forma aceitável de microtransações, pois não conferem vantagens competitivas significativas. Esses itens têm uma função puramente estética e não interferem diretamente na habilidade do jogador. No entanto, quando as loot boxes contêm itens que impactam diretamente a jogabilidade, como armas mais poderosas, personagens especiais ou habilidades exclusivas, surge uma preocupação ética. Isso cria um ambiente em que os jogadores são incentivados a gastar dinheiro adicional não apenas para personalizar sua experiência, mas para torná-la possível.
Existe também uma tendência dos jogadores de continuar gastando dinheiro no jogo porque pensam que, se deixarem de jogar ou pararem de investir, haverá uma sensação de desperdício do dinheiro e tempo que já foram gastos. O ecossistema das loot boxes também envolve uma estrutura audiovisual que reforça o padrão de comportamento repetitivo, com animações, anúncios e sons que têm o potencial de impulsionar a realização das microtransações. São por essas e outras razões que autoridades em diferentes jurisdições passaram a legislar de maneira diferente sobre as loot boxes.
ABORDAGENS REGULATÓRIAS E MEDIDAS RIGOROSAS
Na Europa, diversos países têm implementado medidas rigorosas em relação às loot boxes. Em 2018, os Governos da Holanda e da Bélgica emitiram advertências aos desenvolvedores de jogos, categorizando os sistemas de microtransações ligados às loot boxes como jogos de azar e proibindo sua comercialização. Especificamente, os jogos FIFA 18, Counter-Strike: Global Offensive e Overwatch foram alvo dessas medidas, com exigências claras de remoção imediata das loot boxes. Os infratores enfrentariam penalidades severas, incluindo multas de até €800.000 e até mesmo prisão em caso de violação persistente.
Na Bélgica, a Comissão Nacional de Jogos de Azar (CNJA) iniciou uma investigação criminal contra a Electronic Arts (EA) após a desenvolvedora se recusar a modificar as dinâmicas de microtransações no jogo FIFA. Posteriormente, as partes chegaram a um acordo e a EA anunciou que acataria a decisão, removendo o sistema de loot boxes. Na Holanda, uma decisão favorável por parte da Corte de Justiça apoiou o regulador e ordenou que a EA retirasse o sistema de loot boxes.
Na Áustria, o Comitê de Proteção ao Consumidor anunciou em abril de 2024 que realizará um estudo abrangente sobre loot boxes e sua possível associação com jogos de azar. Esse estudo foi motivado por duas moções parlamentares: uma para examinar o impacto das loot boxes em menores de idade e outra para introduzir um projeto de lei que proíba as loot boxes. Essas moções foram baseadas em casos judiciais recentes envolvendo loot boxes na Áustria.
Entre 2023 e 2024, os jogadores têm entrado com ações judiciais buscando restituição dos valores gastos com loot boxes, argumentando que essas caixas têm um elemento aleatório de surpresa que configura um jogo de azar. Os desenvolvedores dos jogos não são licenciados para oferecer jogos de azar e, portanto, sua oferta de loot boxes é considerada ilegal. As decisões judiciais aplicaram as leis de jogos de azar aos sistemas de loot boxes. Por exemplo, a Sony foi ordenada a reembolsar mais de €330 a um jogador que entrou com uma ação. A EA também foi multada em €10,800 por oferecer loot boxes em seus jogos disponíveis no território austríaco.
A desenvolvedora de Counter-Strike, Valve, recebeu ordens judiciais para reembolsar um jogador em mais de €14,000 por gastos relacionados às loot boxes. Na Finlândia, um projeto de lei foi proposto para regulamentar as loot boxes, classificando-as como uma forma de jogo de azar. Enquanto isso, na Espanha, outro projeto de lei visava regular as loot boxes e impor diversas medidas, incluindo o banimento de acesso para menores de idade, restrições à publicidade, a exigência de divulgar informações sobre as probabilidades de ganho, as condições de participação e os riscos associados, além da implementação de um sistema de autoexclusão.
No Reino Unido, o Governo apoiou medidas de autorregulamentação, reconhecendo a possível associação entre os mecanismos de microtransações e o comportamento problemático relacionado ao jogo. No entanto, o Governo declarou que não considera as loot boxes como jogos de azar. Da mesma forma, as autoridades da Polônia compartilham desse entendimento e não consideram as loot boxes como uma forma de jogo de azar. Representantes do Governo polonês enfatizaram que a mera presença de um elemento de sorte não constitui automaticamente um jogo de azar.
Em outras regiões do mundo, a regulamentação das loot boxes continua sendo um tema controverso. Na Nova Zelândia, embora representantes do Governo tenham afirmado que as loot boxes não são consideradas jogos de azar, a Problem Gambling Foundation discorda e tem feito lobby para que sejam regulamentadas. Na Austrália, há um projeto de lei em andamento que propõe classificar os jogos com loot boxes como adequados para maiores de 15 anos e que também visa promover a distribuição de informações para incentivar o controle parental. Na América Latina, especificamente no Brasil, as discussões acerca da proibição ou restrição às loot boxes remontam há cerca de quatro ou cinco anos. Em 2019, a Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (ANCED) iniciou uma ação contra diversas empresas no Brasil, incluindo Activision, EA e Garena, com um pedido de indenização de R$ 19,5 bilhões por danos morais individuais e coletivos.
Na ação, a ANCED aponta a similaridade entre loot boxes e jogos de azar. A Advocacia Geral da União, a Secretaria Nacional do Consumidor, o Ministério Público do Distrito Federal e o Conselho Federal de Psicologia apoiaram a iniciativa, que ainda tramita na justiça federal.
MARCO REGULATÓRIO BRASILEIRO E USO DE LOOT BOXES
Em maio de 2024, a Lei 14.852, que cria o marco regulatório dos jogos eletrônicos no Brasil, foi promulgada. A lei cita que “na realização da classificação etária indicativa de jogos eletrônicos, levar-se-ão em conta os riscos relacionados ao uso de mecanismos de microtransações”, mas não indica procedimentos específicos da classificação. Em fevereiro de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o Projeto de Lei 2.626/2022, propondo abordagem mais restritiva ao uso de aplicativos de Internet, programas de computador, software, jogos eletrônicos ou similares conectados à Internet, incluindo o acesso de menores às redes sociais. A disposição relativa aos jogos eletrônicos proibiria o uso de loot boxes e os classificaria como jogo de azar. Ainda não há detalhes sobre como as autoridades supervisionariam os fornecedores de jogos eletrônicos.
A discussão em torno das loot boxes está longe de ser uniforme e é esperado que continue a se intensificar, acompanhando o dinamismo do mercado de jogos e apostas. Apesar das diferentes abordagens adotadas por diversos países e especialistas, há um consenso na literatura de que o elemento de sorte inerente às loot boxes pode desencadear impulsos semelhantes aos observados em jogos de azar, afetando o comportamento humano de maneira significativa. Cabe aos governos e autoridades responsáveis a análise cuidadosa dos possíveis impactos dessas práticas e o desenvolvimento de uma estrutura legislativa eficaz para combater o jogo problemático, ao mesmo tempo que promove melhorias na indústria dos jogos para aprimorar continuamente a experiência do usuário.
Isso requer uma abordagem equilibrada que proteja os consumidores vulneráveis sem sufocar a criatividade e a inovação que impulsionam essa indústria vibrante. A TheRegulationService tem monitorado de perto as discussões em torno das loot boxes em várias jurisdições ao redor do mundo. Com nossa rede de advogados locais, construímos um conhecimento abrangente e valioso sobre as disposições regulatórias relacionadas. Nosso compromisso em entender e interpretar as normas aplicáveis nos permite oferecer orientações precisas e estratégicas para nossos clientes. Estamos preparados para ajudar empresas a navegar com segurança por ambientes regulatórios complexos, adaptando-se às exigências específicas de cada mercado e mantendo os mais altos padrões de conformidade.