O ano de 2023 se iniciou com mudança de Governo no plano federal, e uma série de dúvidas quanto ao futuro da regulação dos jogos no Brasil. Ainda que a nova administração esteja ainda em formação, alguns pontos já estão sedimentados, outros se desenvolvem a despeito desta enquanto, por fim, há aqueles que ainda permanecem em aberto, de acordo com os pronunciamentos oficiais ainda vagos da nova Administração quanto à matéria.
No que toca às apostas esportivas de cota fixa (AQF) na condição de modalidade lotérica, em dezembro de 2022, esgotou-se o prazo legal para a sua regulamentação no plano federal. No entanto, é certo que as AQF já estão fora do plano da ilegalidade, permanecendo, no plano federal, no plano da falta de regulamentação.
TRIBUTAÇÃO, REGULAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO
A inação regulatória traz poucas diferenças à sistemática que vem sendo empregada por operadoras sediadas no exterior e que ofertam serviços a usuários localizados no Brasil. Em termos criminais, não há possibilidade de processamento dos fornecedores dos serviços em razão da prática ser considerada uma contravenção penal, e esta estar subordinada a condutas praticadas em território nacional (art. 3º da Lei de Contravenções Penais).
Como os sites são geralmente sediados no estrangeiro, inexiste embasamento legal para prosseguir com a persecução criminal. Por outro lado, em termos tributários, no início de 2023, a própria Receita Federal alterou códigos sobre as loterias, que passam a contemplar também as apostas esportivas, o que demonstra, ao menos em tese, uma vontade política dele fazer uso ou uma infraestrutura básica e necessária para a sua operação futura. Em relação a outras áreas do direito, como direito do consumidor e proteção de dados pessoais, por exemplo, uma série de obrigações devem ser respeitadas, ainda que sem normas específicas sobre o tema.
Em termos de desenvolvimento de um sistema regulatório, ainda que decentralizado, percebe-se que a inércia quanto à regulamentação das AQF no plano federal não se comunica à paralisação normativa nas esferas estaduais. Desde a paradigmática decisão do STF, no ano de 2020, que autorizou Estados (e potencialmente Municípios) a operarem as mesmas modalidades lotéricas já autorizadas pela União abriu caminho para que demais entes federados, na ausência da regulamentação federal, comecem a operar as AQF.
Sem a existência de uma moldura regulatória uniforme e precisa em relação à modalidade, vê-se uma constante judicialização da matéria, na medida em que, até hoje, todos os editais estaduais que buscaram escolher seus operadoras acabaram sendo suspensos por ordem judicial e/ou dos respectivos Tribunais de Contas dos territórios onde se encontram. Aos poucos, criam-se parâmetros de forma casuística, a partir do que têm decidido os tribunais, de forma recortada, até que, potencialmente, editais se adequem ao que vem sendo considerado e consigam, enfim, dar início às operações regionais de loterias e AQF.
Liderando em aspectos materiais e formais na exploração das AQF temos, por exemplo, respectivamente o estado de Minas Gerais, que recentemente inaugurou site possibilitando a aposta nesta modalidade via operadora lotérica do setor privado, e o estado da Paraíba, que publicou decreto, em 2023, versando, exclusivamente, sobre as AQF.
Enquanto isso, no que toca à regulamentação das AQF pela União, é incerto que anteriores versões do decreto regulamentador já submetidas ao público formal ou informalmente sejam mantidas ou preservadas pelo novo governo em formação. O que se sabe, até o momento, é que grandes articuladores do atual cenário político se têm mostrado favorável à regulamentação como forma potencial de aumentar a arrecadação, essencial para subsidiar uma série de programas sociais e aumentos salariais que o governo tem se proposto a arcar.
ATORES CHAVE NO CONGRESSO
Essas intenções tem sido fortalecidas, a partir do início de 2023, em razão de uma série de denúncias envolvendo a integridade do esporte (futebol) em prática conhecida como o match-fixing (combinação de resultados), por meio de qual jogadores de determinados times contribuíam para alcançar determinado resultado com apostadores que, com isso, se beneficiavam de apostas realizadas. A prática vem sendo objeto de investigação pelo Ministério Público em diversos estados, e a nova Administração Federal ciente dos graves entraves que pode gerar inclusive para a imagem do futebol brasileiro, manifestou-se no sentido de que pretende abreviar o prazo até então incerto para regulamentação. Isto porque, caso regulamentada, a AQF imporá uma série de requisitos de conformidade que facilitará a aferição de eventuais crimes e ilegalidades, como estas por ora objeto da investigação da Justiça Desportiva. As operadoras do site de apostas, inclusive, são interessados nessa moralização da atividade, uma vez que eventual infração, especialmente nessa formatação, entre jogadores e apostadores, tende, justamente, a angariar prejuízos não somente à credibilidade da atividade, mas também financeiros.
Além disso, como o enxugamento da máquina pública não vem sendo a tendência do novo Executivo Federal, e o aumento da carga tributária nas atividades ordinárias é medida sempre impopular, uma alternativa seria a pronta regulamentação das AQF, que estaria a reverter em recolhimento de tributos e aumento de arrecadação para o novo mandato.
Em relação ao Marco Regulatório do Jogo de forma mais ampla, em especial ao conhecido PL 442/1991, já aprovado na Câmara dos Deputados e ainda no aguardo de apreciação no Senado Federal, o Executivo não tem primazia, nesta fase ainda intermediária de tramitação, comparado à posição dos novos membros das casas legislativas. O que se sabe, porém, é que grande defensor do projeto, Relator da proposta na Câmara, o Deputado Felipe Carreras (PSB-PE), integra a equipe temática de transição do Governo Federal da área do turismo. Espera-se que, ao menos, uma possibilidade de continuação do projeto já elaborado tenha seguimento, ainda que com potenciais emendas, já que o PT (Partido dos Trabalhadores, do presidente Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva) se posicionou contra o PL 442/91 em fevereiro de 2022.
A presença do Deputado Carreras, bem como do Presidente da Frente Parlamentar Mista pela Aprovação do Marco Regulatório dos Jogos, Deputado João Carlos Bacelar, ainda que em outra equipe de transição, podem sinalizar um potencial canal importante de comunicação e interlocução sobre o PL 442/91, seja para fins de demonstrar os benefícios da regulamentação em termos econômico-financeiros, seja para difundir e abrir o diálogo com os novos integrantes do Congresso Nacional. Somam-se a estas figuras as reeleições dos parlamentares Arthur Lira e Rodrigo Pacheco na presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, respectivamente, que se tem mostrado favoráveis à regulação da indústria dos jogos.
Como março é sempre o início oficial do ano no Brasil, resta agora aguardar para verificar tanto a velocidade para entrar em pauta a votação do PL 442/1991 (agora renumerado para PL 2.234/2022) pelo Senado Federal quanto o resultado da apreciação, que neste mês já completa um ano de sua remessa do projeto à Casa. Aguardemos.