Por Anamaria Bacci, jornalista e tradutora da G&M News.
Você começou a trabalhar no segmento de casinos em 1992. Quais foram suas principais aprendizagens no setor nesses 29 anos? Que conceitos você tem conseguido ensinar e transmitir aos seus colaboradores, com base em sua longa experiência?
Comecei no Casino da Póvoa e, ao longo destes anos, trabalhei também no Casino Lisboa, onde fui um dos responsáveis operacionais pela sua abertura em 19 de abril de 2006. No Casino do Estoril, fui membro da coordenação de jogo referente ao Casino Lisboa e Casino Estoril. Estou desde finais de 2016 no Casino da Madeira, um projecto aliciante com grandes desafios. Ao longo dos últimos 29 anos e por força das funções que exerço, tornei-me numa pessoa extremamente disciplinada e acredito muito numa hierarquia muito bem engrenada funcionalmente. Todos os membros da equipa devem saber muito bem o âmbito das suas funções e é importante que saibam também a quem respondem. Considero que todas as pessoas e as funções são relevantes na estrutura de um casino (ou de qualquer empresa). Valorizo muito um sistema de trabalho bem definido, tendo como principal objectivo a plena satisfação do cliente. Analiso criticamente à operação, sempre de forma a minimizar as diferenças. A ideia é pensarmos sempre “como gostaríamos de ser tratados” e agir da mesma forma com os nossos clientes.
Além de ser o diretor de alguns dos principais casinos em Portugal, você também dirigiu um casino em Madri. Que diferenças mencionaria voce no funcionamento do jogo presencial entre os dois países?
É verdade que, além de ter gerido os três maiores casinos de Portugal, fui também responsável pelo Casino Gran Via, em pleno coração da cidade de Madrid. As grandes diferenças entre o jogo na Espanha e Portugal são que na Espanha, por força do mercado, fora dos casinos, é comum vermos máquinas tipo B e B+ (que fisicamente são iguais às dos casinos tipo C) nas arcades. Também vemos máquinas tipo A em bares, e os bingos operam máquinas A, B e B+. Isso não acontece em Portugal, pois os casinos são os únicos espaços autorizados a lidar com este tipo de máquinas. Além disso, nos casinos espanhóis, o jogo de máquinas é desvalorizado e considerado um negócio menor. Uma das minhas “lutas” enquanto Director do Casino Gran Via foi o de desmistificar o jogo de máquinas de casino ao cliente de jogo em Espanha. Os clientes espanhóis, em geral, não sabem quais as diferenças entre máquinas de vários tipos A, B, B+ e C, a minha missão era mudar essa cultura de jogo. Julgo que fui bem sucedido, em ter feito com que os proprietários das concessões olhassem para esse mercado como o negócio de grande fluxo de caixa, e que poderia ser o catalizador de grandes receitas para os seus casinos. Outra grande diferença é que o cliente espanhol é bastante adverso a regras, é pouco respeitador do trabalho dos outros, julga-se com mais direitos que deveres. E no interior de um casino, estas caraterísticas aumentam, criando com muita facilidade problemas de bom funcionamento da partida. Em Espanha, os casinos na sua maioria, são espaços de puro jogo (máquinas e bancado), o que ainda leva a que muitos clientes tenham reservas na sua ida a estes espaços. Em Portugal, os casinos existentes aliam o jogo aos componentes de entretenimento, cultura e restauração, com serviços de F&B de elevada qualidade.
Como descreveria as características dos jogadores portugueses? Quais jogos eles preferem e quais são as demandas que eles têm dos operadores?
Os clientes portugueses são, por norma, disciplinados, com grande apetência por jogos de casino. Somando a isso o fato de que em Portugal os casinos terem uma vertente cultural, artística e de animação associada, são clientes muito mais fidelizados ao espaço, não considerando um casino um tabu. Em relação ao jogo, o bancado é o mais procurado (denominado como ‘jogo tradicional’), as roletas americanas, e as máquinas de fabricantes.
Já como Director Geral do Casino da Madeira, conte como se atravessou a crise da pandemia no ano passado? Como foi mantido o contato com os clientes durante o encerramento e o processo de reabertura, bem como o cumprimento dos protocolos de saúde e segurança?
O impacto pela paragem da atividade durante o período de encerramento apenas vai ser quantificado quando estabilizar o processo de retoma. Isto porque o impacto financeiro não se pode apenas medir nos últimos meses, mas sim, no reflexo de uma demorada retomada da nossa habitual “velocidade cruzeiro”. Fechamos em 14 de março de 2020, reabrindo em 1º de junho. Foi um relativo curto espaço de tempo, comparando com os restantes casinos de Portugal Continental, que continuam encerrados. A nossa equipa de direção nunca esteve parada, e durante este tempo, fomos sempre trabalhando em planos de contingência, implementando esses mesmos protocolos de saúde e segurança que menciona. Muitos dos nossos habituais clientes pré-pandemia ainda não regressaram. Prevê-se uma mudança muito positiva quando se atingir a imunidade de grupo aqui na ilha da Madeira, talvez no fim do verão de 2021. Até lá, com mais ou menos turistas, continuamos a nossa atividade e tentamos cumprir os objetivos que nos propomos, juntos dos nossos clientes. Em suma, temos feito de tudo para garantir a segurança máxima aos nossos clientes, para que tenham confiança e possam desfrutar de uma ótima experiência no nosso casino.
Quanto a expansão do jogo online no país afeta um cassino presencial como o Madeira? Você já pensou em oferecer jogos neste modo no futuro?
O aumento das apostas no jogo online afecta todos os casinos, especialmente o da Madeira, que está inserido numa região com uma população mais reduzida em relação a grandes centros urbanos onde as pessoas passam mais por anónimas. Por vezes, o constrangimento em se deslocar a um casino, num sítio onde todos se conhecem é maior, o que leva a quererem se divertir nos jogos online de forma mais privada. O ano de 2020 foi o em que se registou maior numero das apostas online em Portugal. Talvez o confinamento explique esse fenómeno. Contundo, e em minha opinião, o jogo digital ainda está a maturar, primeiro porque foi a legalização tardia, e depois forma de atribuição de licenças sem restrições deveras importantes para o sector. Pela sua densidade populacional, o mercado online em Portugal não é tão apetecível por grandes casinos e ou casinos clássicos. As licenças de exploração proliferam sem cessar e, em meu entender, deveriam ser da exclusividade de quem detém concessões de jogo. O Casino da Madeira já esteve a fazer estudos de mercado, contudo nada de concreto foi ainda decidido.
Quais são suas metas para este ano? Quando pensa que o Casino da Madeira conseguirá recuperar o seu nível de rendimentos e de atividade da pré-pandemia?
Julgo que é muito precoce pensar em recobrar nível de rendimentos da pré-pandemia este ano; quiçá seja em 2023. Para este ano, as nossas metas são recuperar o máximo de clientes para o nosso casino. Além disso, nos próximos tempos, como todas as empresas sediadas na Madeira, o Casino da Madeira tem que se reinventar. Com a pandemia, tivemos que cancelar grandes eventos previstos para os nossos muito requisitados espaços de lazer e restauração. Estamos desejosos de poder retomar as nossas actividades, e proporcionar aos madeirenses, bem como aos que nos visitam, os maiores eventos culturais a que já os habituamos. Para que isso possa acontecer, aguardamos que as devidas restrições de abertura sejam levantadas pelas entidades competentes. O casino é mais do que jogo. Queremos voltar a proporcionar grandes momentos de entretenimento.