Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
Além de ser uma fadista e uma reconhecida Licenciada em Direito e pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito da União Europeia, Carla Vicente especializou-se em Direito do Jogo. Esta executiva, Assessora Jurídica da Provedora de Justiça em Lisboa, Portugal, é autora de inúmeras publicações em sites especializados do segmento, além de livros lançados, como “Noção de Jogo. Consequências jurídico-práticas”.
Como você iniciou sua atuação como cantora de fado?
Foi uma casualidade. Não sou de família de fadistas ou de músicos e não cresci ouvindo intensamente fado. Fui eu quem encontrou o fado; ele não me foi dado de mão beijada. É claro que já o conhecia e o ouvia. Todos nós, portugueses, crescemos ouvindo fado, ora mais, ora menos. O fado, na minha voz, surgiu pelo convite de uma amiga minha que, no ensaio de um coro informal onde cantávamos com outras amigas e colegas de trabalho, me desafiou a cantar um fado. Nesta altura, achei estranho o desafio porque nunca o tinha cantado antes, embora quando pequena cantarolava um tema que adoro, de uma fadista que também adoro: “Primeiro Amor”, de Cidália Moreira. Resolvi responder ao desafio da minha amiga no ensaio seguinte. A emoção que senti ao cantar fado me levou a continuar, ainda que inicialmente e sem qualquer propósito de cantar publicamente. Desde então, nunca mais parei, e rapidamente tive a oportunidade de cantar em espetáculos e em casas de fado. Continuo me apresentando, sempre com a noção de que é uma aprendizagem contínua e com o propósito de uma viagem sem destino.
Considerado pela Unesco como um ‘Patrimônio Imaterial da Humanidade’, qual o significado do fado para o povo português?
Falar de fado é falar de Portugal, faz parte da sua identidade. O povo português é muito emotivo e o fado é o expoente máximo da emoção. O fado carrega a nossa saudade, uma palavra tão portuguesa, sem tradução noutras línguas. Também transmite as nossas emoções. A palavra ‘fado’ é totalmente expressiva nesse sentido, pois nasce do termo latino fatum, que significa ‘destino, sina, sorte, fortuna, fatalidade’. Costumo dizer que o fado é um ombro amigo para os desaires da vida, mas também um companheiro para os momentos mais felizes. Um bom fadista transmite essas emoções quando canta. Por isso, se pede e é exigido silêncio quando é cantado. Há uma típica frase que traduz esta exigência que todos os portugueses sabem: “Silêncio que se vai cantar o fado”. O silêncio garante que o público possa também se emocionar com o fado, mesmo que não entenda uma única palavra de português. É esse o nosso objetivo último: transmitir emoções.
O descobrimento do Brasil se deu com a chegada dos portugueses ao continente. Você identifica alguma influência do fado na música brasileira?
Esta pergunta é muito curiosa porque seria muito mais fácil de responder se trocássemos os seus termos: “Qual a influência da música brasileira no fado”? Com efeito, uma das teorias sobre a origem do fado situa-a numa dança típica africana, bailada pelos escravos no Brasil, o lundu, defendendo-se que existe uma similitude melódica também. A multiculturalidade entre Portugal, Brasil e África é naturalmente iniciada na época dos descobrimentos e enraizada por via da conquista e ocupação destes territórios por parte dos portugueses. Respondendo à questão colocada, opto por citar Reco do Bandolim, que afirmou: “A música portuguesa, principalmente o fado, deixou na nossa alma um traço de certa melancolia, de nostalgia, que está muito presente no Choro, o Choro mais romântico, chorado”. É evidente que a multiculturalidade proporcionada pela época da globalização que vivemos permite que a influência recíproca continue e se aprofunde, razão pela qual temos tantos cantores brasileiros que gravaram o conhecido tema “Nem às Paredes Confesso”. É um tema cantado em todas as casas e espetáculos de fado, e que haja vários fadistas que gravaram CDs inteiros com interpretações de cantores brasileiros como sucedeu com “Carminho”, que cantou Tom Jobim, e com Raquel Tavares, que cantou Roberto Carlos. Por fim, não posso deixar de referir que existem alguns temas, cantados por Amália Rodrigues, que evocam o Brasil, como seja “O Fado é bom pra Xuxu”, inicialmente gravado por Olivinha, uma cantora brasileira. Marcante é, sem dúvida, um tema oferecido por Vinicius de Moraes a Amália: “Saudades do Brasil em Portugal”, existindo um registo do momento em que Vinicius canta o tema para Amália, na casa dela. Em seguida, Amália canta o tema para Vinicius, podendo-se aqui apreciar a diferença de registo da interpretação de um cantor e de uma fadista.
Como o fado é visto atualmente pelo público jovem português?
Pelo que vejo, e embora totalmente desprovida de fontes estatísticas, diria que não há muitos apreciadores de fado no público jovem. Talvez pela emotividade que carrega, talvez por ser considerada uma música de gerações anteriores. O público que se vê nos espetáculos de fado é sobretudo da faixa etária dos 40 anos para cima. No entanto, em tendência inversa, há muitos jovens cantando fado e aprendendo a tocá-lo. Notadamente, em várias entrevistas, muitos fadistas, alguns deles bem famosos e conhecidos agora, confessam que no início escondiam a sua paixão pelo fado, ou eram objeto de brincadeiras jocosas por parte dos seus amigos simplesmente pelo fato de gostarem de fado.
A G&M News lhe fez um convite especial para cantar no evento que oferecerá a inúmeros profissionais e empresas do jogo presencial e online em 26 de março de 2024, em um jantar na capital de Lisboa. Qual sua expectativa para esta apresentação?
Fiquei muito honrada e sensibilizada pelo convite. Procurarei, acompanhada por excelentes músicos, transmitir a emoção do fado aos presentes. Se o conseguir, ficarei feliz. E muito obrigada pela proposta!
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