A bola de futebol continua rolando nas favelas de todo o Brasil, mas agora são organizações como Fluxo, LOUD e Los Grandes que inspiram os jovens das comunidades país a fora. Segundo uma pesquisa feita pelo instituto DataFavela, com 1190 pessoas, um em cada três jovens moradores de favela tem como maior sonho ser jogador profissional de videogame, e 96% diz que gostaria de seguir a profissão. Entre eles, 29% afirma que esse é o maior sonho da vida atualmente, substituindo sonhos como ter um carro ou uma casa própria. Apenas 4% deles, no entanto, tira renda fixa dos games. O celular é, de longe, a principal forma de acesso aos games: 98%. A maioria (79%) já deixou de jogar por estar sem crédito ou por problemas de conexão. Eles também enxergam a Taça das Favelas Free Fire como uma oportunidade profissional: 94% dizem que o torneio mostra que os Esports são uma oportunidade de trabalho.
Jovens de diferentes origens têm acesso ao jogo, e alguns transformam esse lazer numa profissão. Dentro desse universo, há duas formas de fazer carreira: uma, jogando em times profissionais e competindo; outra, transmitindo as partidas disputadas ao vivo (formato popularmente conhecido como “stream”). De acordo com informações apuradas pela EXAME, o salário médio de streamers de sucesso pode chegar a R$ 50 mil. Já os atletas profissionais ganham entre R$ 4 mil e R$ 12 mil para competir em equipes. Além de LOUD, Fluxo e Los Grandes, que são organizações focadas no Free Fire, clubes de futebol como Corinthians, Vasco, Cruzeiro e Flamengo também possuem equipes no Battle Royale da Garena e os salários chegam a R$ 160 mil por mês!
UM EXEMPLO DE SUCESSO: A TAÇA DAS FAVELAS FREE FIRE
Em 2020 e 2021, foram realizadas as duas primeiras edições da Taça das Favelas Free Fire, decorrentes da pandemia. O torneio de videogames é coordenado pela Central Única das Favelas (CUFA), organização social que atua em cerca de 5 mil favelas no país, e pela Favela Holding.
No 2020, ou campeonato reuniu mais de 1000 times de 12 estados. A equipe vencedora foi a Divineia, do Paraná, que levou o prêmio de R$ 15 mil. Ao todo, foram distribuídos R$ 30 mil em premiações. Na edição de dezembro de 2021, a competição teve cerca de cinco mil favelas inscritas, com mais de 80 mil jogadores participantes. No fim, foi disputada por 1296 favelas de todos os estados do país e a premiação total foi de mais de R$ 100 mil, graças ao apoio de uma firma como o Banco Itaú, além da distribuição de mais de 7800 chips de conexão. O vencedor foi a seleção da favela Nhanha (Mato Grosso do Sul), com uma performance avassaladora. Além do título e dinheiro, a equipe sul-mato-grossense também ganhou um bootcamp com o popular time LOUD. A Vila São Miguel, de Pernambuco, e a paranaense Ana Terra completaram o pódio.
“A Taça das Favelas foi um grande sucesso. Tivemos novos parceiros, que nos ajudaram a fazer um campeonato ainda melhor”, disse Marcus Vinícius Athayde, idealizador e diretor da Taça das Favelas Free Fire.
Com mais de 100 milhões de jogadores ativos três anos após o seu lançamento, o Free Fire tem seu amplo potencial de disseminação ligado ao fato de que funciona em smartphones de qualquer tipo, o que lhe rendeu o título de game mais baixado para dispositivos mobile em 2020 e 2021.
A LUTA CONTRA A POBREZA
Mesmo assim, não são todos que podem jogá-lo. Cerca de 70 milhões de brasileiros têm acesso precário à Internet ou não têm nenhum acesso. Daqueles que pertencem às classes D e E já conectados, 85,1% usam a Internet só pelo celular e com pacotes limitados, segundo dados do Cetic.br, o departamento do Comitê Gestor da Internet que monitora a adoção de tecnologias de informação há 15 anos.
Essa situação ficou mais evidente quando a necessidade de isolamento social devido à pandemia impediu que muitos jovens, principalmente os que moram em periferias, continuassem os estudos a distância. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 4,3 milhões de estudantes não tinham acesso à rede no início da crise sanitária. Destes, 4,1 milhões estudavam na rede pública de ensino. Da mesma forma, o IBGE especificou que o desemprego entre jovens adultos de 18 a 24 anos atingiu a taxa de 29,5% no segundo trimestre de 2021, enquanto, entre aqueles de 25 a 39 anos, o índice foi de 13,8%.
Muitas pessoas no mundo dos videogames trabalham para tirar os jovens da pobreza. Há Igor Oliveira, que forma times de Free Fire na comunidade Jardim Elba, que reúne 11 favelas na zona leste de São Paulo. Também Ricardo Chantilly, que, em Vigário Geral, favela da zona norte do Rio de Janeiro, identificou uma oportunidade e financiou, em 2019, o AfroGames, o primeiro centro de treinamento de esportes eletrônicos do país com sede em uma favela. Até o final de 2021, o local atendeu 170 participantes. “Todos podem ter aulas de League of Legends, programação de jogos e Fortnite, além de aulas de inglês. Fora lanche, uniforme e equipamento de primeira qualidade”, ele descreveu. No 2020, a organização montou o primeiro time de League of Legends, com os melhores alunos de 2019. A equipe, formada por cinco garotos e uma menina, contou com técnico, preparador físico e psicólogo. Todos os jogadores recebem um salário mínimo.
ESTRELAS QUE VEM DE BAIXO
Além dos empreendedores, há os casos das estrelas, influenciadores e referentes. No cenário brasileiro, o maior expoente do Free Fire é justamente um atleta oriundo das favelas, Bruno “Nobru” Goes, 21. Nascido na comunidade paulistana Jardim Novo Oriente, ele é streamer e jogador, com mais de 33 milhões de seguidores, sucesso que alcançou após superar vários obstáculos. “Fazendo as coisas certas, muitos jovens também conseguirão seguir o mesmo caminho e mudar de vida”, assegura o paulista, que tem um faturamento entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões por mês apenas com suas lives na plataforma Twitch.
O panorama de jogos competitivos também tem sido uma plataforma usada por jovens para conquistar um espaço em áreas como a música. Foi assim, por exemplo, que o rapper Guxta, 19, foi capaz de dar um salto em sua carreira. Nascido e criado na Baixada Fluminense, ele fechou em 2021 uma parceria com a LOUD, uma das maiores organizações de esportes eletrônicos do país, com cerca de 25 milhões de seguidores nas redes sociais, e passou a ser um dos produtores de conteúdo da empresa. Desde então, já lançou três músicas e três videoclipes, e conseguiu ajudar a mãe, que parou de trabalhar.
Enfim, no difícil contexto de um país gigantesco como o Brasil, com disparidade econômica e social, os jovens das favelas seguirão perseguindo seus sonhos e os videogames estarão lá para ajudá-los e dar-lhes oportunidades de ter uma renda fixa e continuar inspirando as próximas gerações de jogadores.