Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
O que significa para o senhor não apenas ser relator do debate sobre jogos de azar no Senado, mas também agora presidente da Comissão Mista que vai analisar a Medida Provisória que regulamenta o mercado de apostas esportivas no Brasil (MP1182/2023)?
Significa justiça, porque eu fui o primeiro a entrar nesse vespeiro, com um Projeto de Lei (PL 845/23) para regulamentar o setor. Uso a palavra ‘vespeiro’ em função de tudo o que tomamos conhecimento sobre o assunto. Não é só a sonegação, óbvia. Deixaram de pagar a vida inteira, mas agora terão de pagar imposto, como todo mundo que caminha na legalidade. O setor tem um faturamento descomunal e há empresas do mundo inteiro que nós não conseguimos nem descobrir. Estou investigando para que elas sejam apresentadas à sociedade brasileira e ao Governo Federal, e se legalizem, que paguem os seus impostos. Na Comissão Mista que vou presidir vamos trabalhar para estabelecer punições graves, rigorosas para manipulação de resultados de futebol envolvendo apostadores pagos por casas de apostas evidentemente. Vamos melhorar ainda mais essa Medida Provisória do Governo da Lula para sermos justos com os bons empresários, os donos de casas de apostas esportivas que querem trabalhar legalmente e pagar seus impostos.
O texto original apresentado por Luiz Inácio Lula da Silva recebeu 244 emendas. Isso significa que houve pressa em aprová-lo, que o Governo desconhece a realidade do mercado, ou que as partes interessadas não foram devidamente tidas em conta no processo de discussão da legislação? Com um número tão elevado de comentários, será a Comissão capaz de analisá-las antes do prazo de 22 de setembro para o Congresso votar a MP?
Bom, esse já é um caso que depende agora, exclusivamente, da Câmara Federal. De minha parte, estou pronto para começar a presidir a Comissão Mista e não vejo nenhuma dificuldade de estar com tudo pronto dentro do prazo. Faremos um trabalho correto e esperado por todos, desde o Governo Federal até a população brasileira.
Entre os pontos mais polêmicos estão o imposto de 18% sobre as casas de jogos (considerado muito alto), a situação da publicidade do setor e o destino do dinheiro recolhido a nível fiscal. Por exemplo, o senhor mesmo levantou a questão da redução da porcentagem de ganhos das empresas de 82% para 77%, repassando a diferença (5%) para o FUNAPOL (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal). Qual a sua opinião sobre essas questões-chave do debate?
Sobre a Polícia Federal, para mim, ela tem que participar desses 18% pela importância, pela capacidade pelo que vai fazer daqui pra frente. É ela quem terá de descobrir, depois que a legislação estiver definida, as grandes casas de apostas que são do exterior, que sonegam e que trabalham de forma clandestina, e as que ameaçarem trabalhar na ilegalidade saindo do Brasil, como saíram de Portugal. Sobre isso, tenho de relatar conversa com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando disse a ele que não concordava com a licença de R$ 30 milhões, pelos argumentos que ouvi de vários empresários. A licença tem de ser proporcional, ou seja, de acordo com o tamanho de cada casa de aposta esportiva. Se ela fatura muito e é grande, que pague a licença de R$ 30 milhões. As médias que paguem uma licença de R$ 20 milhões. E as pequenas que paguem uma licença de R$ 10 milhões. Eu proponho isso para não repetir o que se deu em Portugal, onde o Governo foi radical e perdeu € 30 milhões de tributos, pois as casas de apostas não concordando com o valor da licença e foram para ilegalidade, saíram do país e levaram os apostadores. O Brasil não pode perder esses 18% de impostos, mas tem de ser justo na distribuição. Quanto à redução de 82% para 77% no ganho das empresas, vou continuar com a ideia e tenho a convicção de que a maioria da Comissão Mista vai concordar comigo.
Especificamente, no que diz respeito à publicidade, esta é uma das principais fontes de rendimento das equipes esportivas, bem como uma fonte de promoção para as casas de apostas. Ao mesmo tempo, é necessário proteger os apostadores do excesso de mensagens, assim como aos menores de idade. Como conciliar os interesses de todos para chegar a um texto justo, sensível e que permita às empresas respirar em termos de receitas?
Sobre publicidade, há vários pontos a considerar. Elas que são hoje as maiores patrocinadoras da televisão brasileira. Por quê? Porque as televisões vivem de publicidade, elas não podem ser responsabilizadas se casas de apostas pagam apostadores que compram jogadores de futebol e subornam para que eles levem cartão vermelho ou cometam pênaltis. O que se deve discutir é o horário de veiculação dos comerciais, mas não impedir a publicidade das casas de apostas legalizadas. Temos de fazer com que as casas de apostas continuem tendo boa receita, legalmente pagando os 18% de impostos, entendendo que, a partir de agora, haverá punição para quem cometer qualquer erro, especialmente no que tange a manipulação de resultados de futebol, algo que não se via há um bom tempo no futebol brasileiro. Jogador de futebol comprovadamente envolvido em manipulação de resultado de jogos tem que ser eliminado da classe; nunca mais pode voltar a ser jogador de futebol. Já o juiz corrupto não tem que sofrer suspensão de trinta ou sessenta dias, ou mesmo um ano. Precisa ser eliminado da arbitragem. Portanto, há como atender de forma correta, justa e sem nenhum revanchismo.
Como resolver a questão da manipulação dos resultados esportivos? Basta aplicar multas e sanções, ou é necessário trabalhar mais profundamente, com uma conscientização a nível nacional? Inclusive, o senhor mesmo chegou a pedir a suspensão do Campeonato Brasileiro de Futebol devido a essa questão.
Realmente, eu pedi a suspensão do Campeonato Brasileiro de Futebol por uns sessenta dias até que se apurasse tudo, investigasse tudo via Polícia Federal e se chegasse a uma conclusão sobre manipulação de resultados. Enquanto não houver rigor para os desmandos no futebol, nós corremos o risco de ver a maior paixão do país perder toda a sua credibilidade.
Olhando para o futuro, além da MP, o que acontecerá com os Projetos de Lei sobre apostas, como o PL 845/2023, que o senhor apresentou em março passado junto com o Senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), no qual propunha uma taxa de licença proporcional ao tamanho de cada casa de apostas? Além disso, acha que uma situação de legalização das apostas esportivas vai impulsionar mais adiante o debate sobre a regulamentação de outras formas de apostas, como cassinos, bingos, jogo do bicho, Esports e outras modalidades?
Sobre o Projeto de Lei, ele é 100% meu, mas eu convidei o general Hamilton Mourão pelo respeito que tenho por ele. Então juntos trabalhamos o projeto, a meu ver melhor do que a Medida Provisória do Governo, com todo o respeito. Mas agora não adianta discutir o projeto. O que está em pauta é a Medida Provisória. Vamos trabalhar em cima dela e fazer o melhor possível. Sobre a regulamentação de outros tipos de apostas, nós precisamos analisar caso a caso. Por princípio, sou contra os chamados ‘jogos de azar’. Cassino no Brasil é algo perigoso, porque vai cair nas mãos de bicheiro ou de político picareta. Eu tenho provas cartoriais de políticos que já compraram áreas de um milhão e quarenta mil metros quadrados em cidades turísticas como em Pirenópolis, no Estado de Goiás, com a intenção exclusiva do quê? De ter um cassino. Isso vai representar geração de emprego? Não. Vai criar condições para algo que a Polícia Federal, se quiser, descobrirá: lavagem de dinheiro. Ou seja, corrupção. Não vejo geração de emprego, não vejo nada benéfico, porque quem vai tomar conta, repito, se não for um político picareta, vai ser um contraventor responsável pelo jogo do bicho, que tem em todos os estados brasileiros. Repito: cassino no Brasil é um convite à corrupção.