“A Póvoa havia sido uma terra feliz com jogo semiclandestino por todo o lado. As rusgas eram raras e cómicas. Vinha a polícia, o jogo parava, os agentes contavam o dinheiro que havia nas mesas, arrolava os móveis, sem esquecer nenhum, e, passados dias tudo voltava à mesma. Era uma belíssima vila onde a anarquia triunfava”
Alexandre Pinheiro Torres, no romance ‘O Adeus às Virgens’
O fundador do Café Chinês, Carlos Evaristo Félix da Costa (1828-1906), empresário hoteleiro estabelecido no norte de Portugal, filho de uma rica família de emigrantes no Brasil, era natural do Porto, onde residia. Apostou em duas prometedoras zonas turísticas: Espinho, inicialmente, onde em 1861 funda o ‘Café Chinês de Espinho’, e depois, na Póvoa de Varzim, em 1886, onde passaria a residir. Conta-nos João Félix da Costa, bisneto de Evaristo, croupier do Casino da Póvoa de Varzim, que seu bisavô Evaristo emigrou para o Brasil após ter perdido muito dinheiro ao jogo. Regressado do Brasil, onde ganhou bom dinheiro, diz à família: “Perdi a minha fortuna ao jogo, mas agora será aí que a vou recuperar!”.
O ‘Café Chinês da Póvoa’ inicia a sua atividade em 1886, sendo à semelhança do de Espinho, centro de tertúlia intelectual, espaço de diversão musical, e local privilegiado para a prática (então proibida por lei!) de jogos de fortuna ou azar. Em 1888, o conselheiro Pinheiro Chagas, procurou Camilo Castelo Branco na Póvoa de Varzim, e claro, deteve-se no Café Chinês: “O distincto homem de lettras gostou muitissimo da nossa formosa terra e ficou maravilhado ante o deslumbramento com que se apresentam os nossos cafés, especialmente o ‘Chinez’, onde s. exª se demorou algum tempo”.
Em 1876, Ramalho Ortigão fala dos cafés e do jogo proibido, no livro As Praias de Portugal. Lá ele apontou: “Em todos os cafés, há um compartimento supplementar em que se joga o monte ou a roleta. Em um d’elles, passa-se da sala do bufete ao jardim, onde se acha a roleta installada n’um bonito pavilhäo.
Na Póvoa, assim como em Espinho, na Foz, na Figueira, em todas as grandes praias, a concorrência em volta do panno verde é das mais curiosamente variadas”.
Mas é ao Café Chinês de Espinho, Celeste Império como era conhecido, que Ramalho Ortigão, nas FARPAS que se refere detalhadamente: “(…) um lojista, a quem pedi o obséquio de me trocar uma libra, informou-me delicadamente de que não tinha prata, mas que eu a encontraria na roleta da porta ao lado.
Aquella em que estive, e que denominam o Celeste Império, pareceu-me ser um estabelecimento inteiramente respeitável e digníssimo. O edifício do Celeste Império é espaçoso e nobre. Nada da futriquice das repartições públicas, dos estabelecimentos de instrucção, ou das secretarias de Estado!”.
O CASSINO CHEGA AO CAFÉ
Com o passar dos anos, o Café Chinês foi cada vez mais justificando os seus créditos de café elegante e distinto. Tão distinto que na Póvoa de Varzim chegou a Casino! Depois de funcionar durante alguns meses no salão da antiga Assembleia Povoense, o jogo concessionado, de 1929 a 1933, teve lugar nos salões do próprio Café Chinês. A Empresa de Turismo Praia Póvoa de Varzim S.A.R.L. fora criada em 14 de setembro de 1928, algum tempo depois da 1ª Lei do Jogo de 1927. A primeira concessão foi atribuída a essa empresa em 1928. Cerca de dois anos depois, iniciaram-se as obras do casino. Só em 10 de junho de 1934, foi solenemente inaugurado o Monumental Casino da Póvoa, acontecimento de grande relevo em toda a imprensa nacional.
Em 1º de janeiro de 1989, iniciou-se a quinta concessão, atribuída por concurso público também à Sopete, S.A., concessão que foi já prolongada, já que em 14 de dezembro de 2001, em conformidade com o DL nº 275/2001, de 1º de outubro, se procedeu à revisão do contrato de concessão celebrado em 29 de dezembro de 1988 com a então empresa Sopete S.A., o qual foi integralmente substituído por outro celebrado com a Varzim Sol, S.A., que entretanto substituiu a antiga Sopete. Este último contrato de concessão do Casino da Póvoa de Varzim findará no dia 31.12.2023.
Em Espinho, no início da primeira concessão em 1928, o Café Chinês de Espinho encontrava-se justamente ao lado do edifício da Assembleia Recreativa aonde virá a funcionar o Casino Peninsular. A Sociedade Espinho-Praia, S.A.R.L. (1928 a 1958), Sociedade de Turismo de Espinho S.A.R.L. (1958 a 1968) e Crudaspinho, S.A.R.L. (1969 a 1973) foram as empresas concessionárias de jogo em Espinho até 1973. Por sua vez, a Solverde, Sociedade de Investimentos Turísticos da Costa Verde, S.A., empresa fundada por Manuel Violas, em 12 de abril de 1972, adquire a concessão. Em 1º de janeiro de 1989, após ter ganhado concurso público, a Solverde iniciou novo contrato de concessão da zona de jogo de Espinho, o qual terminará em 31.12.2023.
A PANDEMIA E AS NOVAS CONCESSÕES
Contrariamente ao que sucede com o jogo online, a exploração do jogo territorial tem sido fortemente penalizada com a pandemia. Empresas e trabalhadores vivem tempos muito difíceis e incertos. Desconhece-se que atitude irá o Governo tomar relativamente a estas duas concessões de jogo da Póvoa de Varzim e de Espinho, cujo termo se encontra contratualmente previsto para 31.12.2023. Relativamente às concessões dos casinos do Estoril/Lisboa e da Figueira da Foz, cujo termo ocorreu no dia 31.12.2020, o Governo, e com a justificação da situação pandémica, entendeu prorrogar o seu final até 31.12.2021. Veremos se a situação pandémica implicará ou não novas prorrogações.
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*Advogado de formação, José Eduardo Deus é Mestre em Gestão e Turismo (Universidade de Aveiro, 2004). Licenciou-se em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa em 1983, concluindo em 1994 uma Pós-Graduação em Direito da Comunicação, pela Universidade de Coimbra, em Portugal.
Ele é Inspetor de Jogos há 31 anos. Também foi conferencista no país e no estrangeiro sobre temas relacionados com o direito jogo e turismo, tem ministrado vários cursos sobre Direito do Jogo, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Tem vários artigos e livros publicados. Entre eles, foi co-autor do primeiro livro sobre o jogo em Portugal, em 2001, enquanto, em 2016, publicou também a co-autoria o livro “Fortuna ou Azar – Dupla Improvável”. Atualmente, é editor e responsável pelo site www.ojogoemportugal.pt.