Por Anamaria Bacci, jornalista e tradutora da G&M News.
Pode nos contar brevemente sobre sua formação e seu interesse pelo jogo e temas reguladores?
Sou advogado, com atuação em Direito Penal, Administrativo, Empresarial e Constitucional; e Consultor Jurídico, trabalhando em coordenação e assessoria na elaboração e acompanhamento de projetos de lei, propostas de emenda constitucional e demais procedimentos inerentes ao processo legislativo junto ao Congresso Nacional. Sempre fui a favor da liberação dos jogos, pois considero essa uma atividade com um imenso potencial de geração de empregos, riqueza, renda e, consequentemente, desenvolvimento para o país. Os brasileiros gostam de jogar, e o Brasil é um dos lugares onde mais se joga no mundo. É um hábito fortemente enraizado em nosso modo de vida, e derivada de aspectos históricos e socioculturais da formação do nosso povo. Sua proibição já foi uma medida anacrônica na época em que ocorreu (em 1946, por ato do então Presidente Eurico Gaspar Dutra). Hoje, mais do que nunca, não encontra argumentos válidos e razoáveis que a justifique. O Brasil é um país de extraordinária vocação turística. A liberação dos jogos, principalmente tanto para sua exploração em projetos de lazer e entretenimento, certamente vai ser um fator de retomada da atividade económica, tão necessária ao país no quadro complexo derivado da pandemia da COVID-19 e, precisamente, num dos setores mais duramente atingidos, que é o Turismo. Só a liberação das apostas significa trazer para a economia formal algo em torno de 15 bilhões de reais, que é, aproximadamente, o que se movimenta em apostas ilegais no país. Esses recursos irão aumentar a arrecadação de impostos, formalizar a existência de milhares de postos de trabalho e gerar a abertura de tantos outros; algo fundamental para o momento econômico que o país vive, exponencialmente mais grave num contexto de crise sanitária.
Muita gente do exterior se pergunta se existe realmente no Brasil vontade política para avançar com a legalização do jogo, tanto presencial como online. A recente escolha de homens-chave no Congresso, favoráveis à regulamentação da atividade, pareceria confirmar que sim. Qual é sua opinião? Por que o Brasil não conta hoje com uma estrutura legal integral de jogo online e apostas esportivas?
Sob o aspecto político, entendo que vivemos o momento mais oportuno para discutirmos com efetividade a legalização do jogo, em todas as modalidades. A matéria avançou consideravelmente no Congresso Nacional, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. Eu entendo que os novos gestores das duas Casas têm a visão necessária para fazer com que as propostas de estabelecimento de um Marco Regulatório dos Jogos ganhem celeridade na discussão e aprovação. Existe, no entanto, muito trabalho a ser feito. O momento é bom, mas não há jogo ganho ainda. É preciso trabalhar resistências através de um processo de convencimento e informação dos parlamentares. A dinâmica que isso vai ter depende de um trabalho intenso junto às lideranças políticas e suas bancadas; e isso exige esforço, organização e muita capacidade de mobilização do setor. O estabelecimento da tão necessária estrutura legal que regulamente o jogo online e apostas esportivas, por exemplo, depende de levarmos, com eficiência, as informações necessárias aos legisladores, para que eles possam construir propostas com a qualidade necessária não apenas para regulamentar essas atividades, mas possíveis de serem aprovadas pelo Congresso Nacional e, posteriormente, serem sancionadas pelo Poder Executivo.
Que tipo de sistema o Brasil deveria implementar para regulamentar a atividade, considerando os diversos olhares sobre o setor de parte dos Estados e municípios? Há algum país (da região ou de outros continentes) cuja legislação do gaming possa servir como exemplo para o mercado brasileiro?
Particularmente, eu entendo que a liberação poderia privilegiar projetos de empresas que possuam expertise na exploração da atividade; de modo próprio ou através de parcerias com empresas nacionais, com compartilhamento de experiências na regulação e compliance em seus países de origem, assim como de tecnologia. No plano internacional, acredito que a grande experiência no setor de países como os Estados Unidos, pela sua extensão geográfica e complexidades regionais, muito nos aproveita; sem esquecer também de países vizinhos, especialmente do Mercosul, destino de muitos brasileiros em busca do jogo recreativo, com os quais muito temos a aprender.
Em termos impositivos, quais você acha que deveriam ser os valores de impostos aceitáveis para que a atividade funcionasse bem, tanto para o Estado como para as empresas privadas?
O principal desafio na regulamentação é observar o que está sendo feito fora do país na tributação da atividade. Não podemos esquecer que o investimento deve ser atrativo a quem se dispõe a investir, levando em conta as peculiaridades do chamado “Custo Brasil”. O investimento de estruturação de um mercado que vai começar praticamente do zero será alto; e atrair empresas com experiência e capacidade de qualificar a exploração do jogo no Brasil exigirá oferecer a possibilidade de uma rentabilidade compatível com o investimento aportado. Com boa vontade, razoabilidade e bom-sendo, é perfeitamente possível conciliar a atratividade do negócio, para os investidores, com a justa necessidade de arrecadação, em benefício da sociedade.
Como criar uma legislação onde todas as partes envolvidas da indústria do jogo possam participar e ser ouvidas? Como melhorar as relações entre os diversos grupos de interesse?
O momento é de diálogo, e estou convencido que o Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal) é o foro adequado para isso. Temos que ter em mente que não se trata tão somente de liberar uma atividade, no caso, o jogo; mas estabelecer as bases de toda uma cadeia de produção e serviços que irá se mover em sua órbita. As relações entre os diferentes grupos de interesse podem ser otimizadas na medida em que cada um entende de uma forma clara qual vai ser o seu papel no processo de regulação e início das atividades de um mercado que não é novo, mas que vai passar a funcionar com normas sérias de procedimento e regulação. Mas apenas diálogo sem resolução não basta. Temos que avançar na aprovação do Marco Regulatório, e isso faz necessário dar objetividade às discussões, tanto no âmbito do Parlamento como junto aos Poderes Executivo e Judiciário. Todos devem ser chamados a participar das discussões, mas tendo como meta aprovar o mais rapidamente possível a regulação.
Olhando para fora, como responder ao interesse dos operadores estrangeiros? De que maneira teria que fazer com que participem, privilegiando as empresas locais?
Duas ações principais: aos investidores estrangeiros, segurança jurídica e previsibilidade para os resultados de seus investimentos, além do estabelecimento de uma base tributária justa, de acordo com os parâmetros internacionais, mas levando em conta as condições do país. Às empresas nacionais, a possibilidade de estabelecerem parcerias com empresas estrangeiras com aporte e transferência de tecnologia e conhecimento do manejo do jogo como negócio.
O senhor é otimista quanto ao futuro? Em quanto tempo acha que o jogo estará legalizado no país? Quanto dinheiro o senhor calcula que, em média, movimentaria o setor em termos anuais?
Sou muito otimista, mas também tenho os pés no chão. Temos muito trabalho pela frente, tanto por uma resistência forte contra a regulação, vinda de setores que ainda não entenderam que se busca justamente regular e eliminar os vícios de um mercado que já existe, e que não deixará de existir apenas por não estar regulamentado; quanto por aqueles que, por opção, preferem permanecer na ilegalidade, fomentando más práticas e sem compartilhar os benefícios do jogo legal com a sociedade. Se trabalharmos bem, é possível aprovar e colocar em atividade um Marco Regulatório dos Jogos ainda neste ano de 2021 ou, na pior hipótese, antes do final desta legislatura, em 2022. Vivemos um momento dramático no Brasil, causado pelos efeitos da pandemia, queda da atividade econômica e, consequentemente, da arrecadação de impostos. Com a regulamentação dos jogos, apenas com tributação direta, estamos falando de algo entre R$15 e 20 bilhões/ano. Em 10 anos, R$200 bilhões; resultado de uma reforma da Previdência, apenas como modo de comparação. Isso que estamos falando apenas em impostos diretos, sem contar toda a repercussão na cadeia econômica de suporte. Apenas com outorgas de concessões, em dinheiro novo, estamos falando de valores em torno de R$30 a 40 bilhões. São recursos indispensáveis para o Brasil e, com certeza, não podemos abrir mão deles.
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