Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
Hoje, a figura de Zumbi dos Palmares leva-nos a recordar os preceitos inalienáveis, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de “promover o respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes”.
QUEM FOI ZUMBI E POR QUE O 20 DE NOVEMBRO
A morte de Zumbi dos Palmares (o então líder do Quilombo dos Palmares, situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil) em 20 de novembro de 1695, quando seu corpo foi apresentado como troféu de guerra na Bahia, motivou na década de 1970 o elegerem como um símbolo da luta dos negros escravizados no Brasil, bem como o combate por direitos que os afro-brasileiros reivindicam atualmente. Em 2011, o 20 de novembro foi instituído oficialmente pela Lei nº 12.519 como uma data comemorativa por todo o território brasileiro. Inclusive, a ONU, no Dia Nacional da Consciência Negra, recorda neste dia que esta é a Década de Afrodescendentes, proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 2015, e que será observada até 2024.
A importância do 20 de novembro também é lembrada pelo Museu do Holocausto de Curitiba no Brasil, que por meio do Senado Federal, promove uma exposição sobre as vítimas negras do regime nazista. Assim como os judeus, a população negra sofreu também intensa perseguição.
A CONSCIÊNCIA NEGRA NO FUTEBOL
Em homenagem à data e a Zumbi, distintas equipes de futebol brasileiro estão lançando iniciativas para esta semana e ao longo do mês. O exemplo mais emblemático é o do Vasco da Gama, que lançou um uniforme em recordação ao centenário do título carioca de 1923, conquistado pelas “Camisas Negras”, time formado por operários, comerciários e trabalhadores braçais, a maioria deles negros e pobres. O São Paulo FC, por exemplo, anunciou uma camisa especial e a criação do Prêmio Diamante Negro, que homenageará pessoas negras que tenham desempenhado um papel significativo em pautas raciais e de cidadania. O nome do prêmio é uma homenagem a Leônidas da Silva, uma figura emblemática na história do São Paulo e do futebol brasileiro.
Flamengo e Fluminense também lançaram camisas alusivas ao Dia da Consciência Negra. O Flamengo procurou destacar seus ídolos negros ao longo das décadas em diversas modalidades. Produzida pela Braziline, a camisa do time rubro-negro é na cor preta, com detalhes em dourado e elementos que remetem à cultura africana. Em sua camisa alusiva, o Fluminense fugiu da tendência observada nos últimos tempos e optou por um modelo na cor branca e alguns detalhes em verde e grená. Neste caso, em vez de recordar de diversos atletas pretos e pardos que vestiram seu uniforme ao longo da história, o Tricolor das Laranjeiras optou por resgatar a figura de Chico Guanabara, personagem citado pela crônica da primeira metade do século passado, negro e capoeirista, que teria sido o primeiro torcedor da história do futebol carioca.
Em tanto, o Corinthians anunciou que dedicará a semana ao Dia da Consciência Negra com uma série de atividades e discussões sobre igualdade, racismo e empoderamento. A iniciativa culminará no jogo contra o Bahia, em 24 de novembro, unindo-se ao time baiano em uma celebração conjunta. Na partida do Brasileirão, ambos os clubes usarão um patch especial em seus uniformes, simbolizando a luta contra o racismo. Além da ação em campo, Corinthians e Bahia farão posts conjuntos nas redes sociais com a hashtag #JogoContraORacismo, e realizarão um minuto de silêncio antes do início do jogo, com a mensagem estampada nos telões do estádio.
O Cuiabá também apresentou uma camisa especial em uma parceria com a patrocinadora Agro Amazônia. Ela também tem cor predominantemente escura, com detalhes em verde, e traz a imagem de um punho cerrado, que passou a ser adotada como símbolo de resistência pelo movimento negro em todo o mundo. O Atlético-MG já havia lançado, no início deste mês, a camisa do clube alusiva à Consciência Negra. Feita na cor creme, ela traz a mensagem “Trançar Brasil e África”, com grafismos em estilo africano, em tons de preto e amarelo, e conta ainda com o patch amarelo “Da Raiz à Luta”. Por fim, o Botafogo-SP havia anunciado, no começo do mês, o lançamento de uma camisa feita pela Volt Sport e que terá parte da renda destinada ao Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Ela traz o escudo do Botafogo-SP e a logomarca da Volt na cor preta, além do selo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol e a frase da campanha “Consciência Negra Todo Dia”.
LEIS BRASILEIRAS E DIREITOS UNIVERSAIS CONTRA O RACISMO
Analisando as questões jurídicas que envolvem este tema, o artigo 5º, XLII, da Constituição reza: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Ao se estabelecer que o crime de racismo seja inafiançável, implica dizer que o acusado não poderá responder o processo em liberdade mediante o pagamento de fiança. Com relação a ser um crime imprescritível, significa que o crime não prescreverá com o tempo. Hoje, ser flagrado fazendo gestos que imitem um macaco, direcionado a torcedores ou jogadores, ou mesmo no convívio social do dia a dia, isso ultrapassa o fato de ser crime. É uma ação que nega humanidade aos representantes afrodescendentes de serem pessoas que merecem respeito e reconhecimento como qualquer outro.
Vale lembrar que, no caso de eventos esportivos, a punição de casos de racismo está prevista também pela Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol). Diante disso, o 20 de novembro, e durante todo este mês no Brasil, esta data serve para celebrar e relembrar a luta dos negros contra a opressão e racismo no país. Leis brasileiras como a de cotas raciais, voltada para a educação básica e superior, leis que instituíram a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, o direito à tradição e liberdade religiosa quanto às matrizes africanas, preveem definitivamente a reparação dos danos sofridos pela população negra na história brasileira.
São iniciativas que visam enaltecer e respeitar o patrimônio diversificado, a cultura e a contribuição de afrodescendentes para o desenvolvimento das sociedades, como um todo. Ainda que, lamentavelmente, muitos sofram todavia com o racismo, a memória de Zumbi dos Palmares, ecoa hoje forte nos estádios, nos eventos, e no dia a dia dos brasileiros.