Por Anamaria Bacci, jornalista e tradutora da G&M News.
Em termos acadêmicos, Carla Vicente é Licenciada em Direito, com três pós-graduações em Direito Administrativo e em Direito da União Europeia, tem-se especializado em Direito do Jogo, principalmente quanto a política de jogo responsável e proteção dos jogadores. Carla também é oradora em cursos, conferências e formadora em Segurança Infantil/normas técnicas, património cultural, direito urbanístico em geral, expropriações e servidões, desporto e jogos de fortuna e azar. Tem vários artigos e livros publicados, tendo já ministrado aulas no Curso de Direito de Jogos de Fortuna e Azar, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e aulas práticas de Direito Comunitário no curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ao mesmo tempo, é colaboradora do site ‘O Jogo em Portugal’ e especialista na Gaming and Media News.
Carla se autointitula uma viciada em trabalho, mas no bom sentido! E apaixonada pelo que faz. Por estes motivos, a jurista trabalha com enorme dedicação e fica exultante quando consegue bons resultados. Todos os que com ela convivem, seja no trabalho, seja em relações pessoais e familiares, facilmente percebem estas características dela. “Não podemos mudar o mundo, mas entendo que podemos tentar mudar o pequeno mundo onde nos inserimos”, diz este especialista. “Gosto de fazer e de fazer acontecer e de sentir que, com o meu trabalho, consigo operar mudanças positivas para a vida das pessoas. Gosto de pegar num caso concreto e partir para uma alteração mais abrangente que solucione, não apenas aquele caso, mas também os demais similares”, ela adiciona francamente. Carla confessa que adora fazer investigação jurídica. Por estas razões, os processos que redundam em alterações legislativas são os que me lhe dão mais prazer. Seus amigos e família diriam que é muito proativa, bem disposta, mas impaciente. Considera-se “amiga de meus amigos e da minha família e eles sabem que estou disponível para eles. Tenho amizades que perduram desde a infância e tenho somado amigos ao longo da vida”.
SEU COMEÇO NA INDÚSTRIA
A assessora legal conta que começou a trabalhar na área do direito dos jogos de fortuna e de azar em 2011, quando lhe foi atribuída a análise de processos de reclamação de jogadores problemáticos autoexcluídos, mas a quem continuava a ser permitida a entrada em cassinos físicos. A partir da análise deste processo que, deu origem a uma Recomendação do Provedor de Justiça ao Governo, com vista à promoção de 14 alterações legislativas e administrativas na proteção destes jogadores, Vicente passou a ser encarregada da análise das queixas que incidiam sobre jogos de fortuna e de azar. Segundo ela, é uma matéria que tem estado esquecida pela grande parte dos estudiosos do direito nacional e que lhe dá muito gosto desbravar, sobretudo porque há muito por onde melhorar, tanto no âmbito da legislação quanto no das boas práticas.
BOAS PRÁTICAS DÃO RESULTADO
A especialista, que escreveu colunas na G&M News, comenta que existe uma preocupação cada vez maior com as boas práticas na área do jogo responsável, tanto nacional como mundialmente. É um tema que está na ordem do dia. Esta situação obteve uma evolução ainda mais rápida por causa da pandemia em curso provocada pelo COVID-19. Ela acredita que os diversos operadores, principalmente do jogo online, recearam que os Governos adotassem severas medidas restritivas do jogo de modo a tentar impedir que o confinamento aumentasse o número de jogadores problemáticos. Por esse motivo, tem-se assistido à adoção, por parte dos operadores, seja individualmente, seja em associações, de medidas de autorregulação na área do jogo responsável. “Creio que se trata de uma forma dos operadores demonstrarem aos responsáveis governamentais que estão atentos ao problema e que o vão resolver internamente, de forma autorregulada,” indica.
Por outro lado, pensa que os responsáveis governamentais rapidamente perceberam que a adoção de restrições ao jogo online apenas surtiria efeito no jogo legalizado, sendo contraproducente. “Se os jogadores se vissem impossibilitados de jogar, ou de jogar tão assiduamente no jogo online, continuariam a jogar, mas nos operadores de jogo ilegal. Ou seja, excessivas ou indevidas restrições ao jogo online legal favorecem os operadores de jogo online ilegal cujo combate é, como se sabe, muito complexo e infindável”, reflete. A especialista acredita que o caminho do jogo responsável passará pela autorregulação, na medida em que os operadores de jogo têm todo o interesse em fidelizar o cliente também por essa via.
A doutora lusitana diz que pode fazer um balanço muito positivo sobre seu trabalho, pois a Provedoria de Justiça (Ombudsman) onde analisa queixas dos cidadãos contra o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos e contra os concessionários ou titulares de licença de jogo tem conseguido obter resultados muito favoráveis. É o caso da promoção de uma Política de Jogo Responsável, através da proteção dos jogadores problemáticos (nomeadamente por via do controle automatizado de acesso aos casinos físicos, da agilização do procedimento de autoexclusão, divulgação de informação sobre ludopatia, tratamento de jogadores ludopatas e seu financiamento através de verbas do jogo) da legalização do jogo online ou mesmo da regulamentação dos torneios de poker em casinos físicos. As Recomendações e sugestões da Provedora de Justiça, nesta área, têm sido seguidas quer pelo Governo, no âmbito legislativo, quer pelas entidades acima referenciadas em ordem a obter as melhores práticas do setor.
O PAPEL DA MULHER NA INDÚSTRIA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SETOR
Questionada sobre o papel da mulher na indústria do jogo, uma resposta direta e previsível vindo de uma mulher moderna, aberta e à frente de suas colegas: “Confesso que hoje em dia, pelo menos em Portugal, não vejo que haja uma distinção entre o papel do homem ou da mulher na indústria do jogo, muito embora seja perceptível que há um menor número de mulheres a trabalhar nesta área, comparando com os homens. Esta disparidade de representação do género terá ainda explicações históricas sobre o papel da mulher e do homem no mercado de trabalho”, descreve Vicente, e acrescenta: “Nas novas gerações creio que há igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho, também nesta área”. Para ela, felizmente, já não é assunto/tema de conversa o facto de uma mulher ser administradora de uma concessionária de jogo, como é o caso da Romanti Azores, que explora duas concessões de jogo na ilha dos Açores. Ela menciona ainda o fato de haver muitas mulheres Inspetoras de Jogo e Croupiers, da Vice-Presidência do Instituto de Turismo de Portugal, onde fica o Serviço de Regulação e Inspeção do Jogo, estar a cargo de uma mulher, o mesmo sucedendo com a Secretária Geral e com a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Apostas e Jogo Online (APAJO). Assinala, no entanto, a contratação, quase exclusiva, de mulheres como barmaids nos cassinos físicos, o que pode indiciar o indevido favorecimento do uso da figura feminina nesta tarefa de serviço aos jogadores (maioritariamente homens).
VIDA PRIVADA, HOBBIES E PAIXÕES
Fazendo uma gestão equilibrada do tempo que dedica ao trabalho e à vida pessoal, Carla conta que o segredo é não passar muito tempo no sofá sem fazer nada. “Não sou muito adepta do ‘dolce fare niente’. Quando não tenho nada que fazer, invento!”, assevera. A jurista diz também valorizar o trabalho de voluntariado na sociedade, havendo muito do que faz em diversas áreas. Nos últimos anos, ela tem sido voluntária e membro da Direção da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI).
Carla é uma artista também fora do escritório. O Fado é a sua paixão e ela acumula esta profissão com a de jurista. Para ela, não é difícil conciliar visto que o fado lhe ocupa sobre tudo à noite e os fins de semana. Dra. Vicente conta que está preparando a gravação do seu primeiro CD e acaba de gravar um tema de homenagem à Diva do Fado portuguesa, Amália Rodrigues, por ocasião da celebração, em 2020, dos 100 anos do seu nascimento (escute aqui: https://youtu.be/lAUYUMqRN84). Claro que também ela adora viajar, ir a restaurantes ou com sabores de diferentes países, degustar vinho, ouvir música, ver séries de investigação criminal, estar com amigos e família. Gosta também de ler biografias históricas. “Faço pilates, pequenas caminhadas e adoro andar de bicicleta. Adoro o campo e conhecer as tradições das zonas por onde viajo”, ela expressa.
Olhando para o futuro, Carla expõe que sua maior ambição no âmbito pessoal e profissional é continuar a gostar do que faz, seja como jurista, seja como fadista, seja como pessoa. Diz-se sentir realizada com os resultados que já obteve até agora e que facilmente se vê dedicando mais tempo ao fado, sem mesmo afastar a possibilidade de, enquanto jurista, dedicar-se em exclusivo ao Direito do Jogo.
Em uma linha
Um livro: “Livro de Mágoas” (Florbela Espanca, 1919)
Um filme: “O Clube dos Poetas Mortos” (Peter Weir, 1989)
Música preferida: Fado
Um perfume: L’Eau D’Issey, de Issey Miyake
Um lugar para morar: Chiado, Lisboa, Portugal
Um lugar para veranear: Praia da Amália, Brejão, Portugal
Um lugar para comer: A Pastorinha, Carcavelos, Portugal
Uma comida: Portuguesa
Uma bebida: Vinho tinto
Um esporte: Pilates
Um/a professor/a: Professora Doutora Maria da Glória Garcia