Os jogos de azar (jogos a dinheiro) têm alcançado grande adesão e popularidade junto da população portuguesa. Se o perfil de jogadores e a prevalência na população são já conhecidos, as recentes evoluções e múltiplas ofertas e modalidades de apostas a dinheiro nas plataformas digitais têm vindo a reconfigurar comportamentos e a conquistar novos adeptos. Tratando-se de uma realidade recente e em mutação, os comportamentos de jogo a dinheiro online não estão ainda devidamente cartografados no contexto português.
Nesse sentido, o Observatório Social da Fundação ‘La Caixa’, coordenado por investigadores do HEI-Lab: Laboratórios Digitais de Ambientes e Interações Humanas da Universidade Lusófona, e da Escola Superior de Comunicação Social de Instituto Politécnico de Lisboa, mapearam a atividade dos jovens portugueses em jogos a dinheiro.
As conclusões do estudo ‘BlindGame’: As atividades de jogo de azar online dos jovens portugueses vão contra todas as previsões sombrias que descreviam com preocupação o avanço do iGaming na sociedade portuguesa. Na verdade, o trabalho garante com dados muito específicos que a frequência com que estes jovens apostam a dinheiro online é tendencialmente baixa a moderada; os seus gastos são maioritariamente controlados, e as apostas desportivas são as mais populares.
ALGUNS RESULTADOS-CHAVE
Baseado numa amostra de 2.028 jovens entre os 15 e os 34 anos, residentes em Portugal, o relatório traz uma série de indicadores interessantes:
a) Há uma prevalência significativa de comportamentos ligados aos jogos de azar entre os jovens portugueses: 68% da amostra diz já ter apostado em alguma forma de jogo a dinheiro, sendo que 93% destes respondeu que já o tinham feito offline e 42% online.
b) Os resultados expressam diferenças na participação em jogos de azar offline e online conforme o género e a faixa etária. As mulheres preferem fazer apostas a dinheiro offline, enquanto os homens se inclinam para jogos de azar online. Os participantes entre os 25 e os 34 anos apostam mais offline, e os de 15 a 24 anos exibem um maior envolvimento online.
c) A maioria dos entrevistados apostadores apresenta uma frequência de jogo online baixa a moderada, porém uma parcela considerável (33,9%) já se envolveu em 41 ou mais ocasiões neste tipo de atividade ao longo da vida.
d) A maioria dos apostadores online (59%) despende mensalmente 20 euros ou menos. No entanto, uma pequena parcela (7,3%) gasta mais de 101 euros por mês, e 1,8% gasta 250 euros ou mais.
e) As apostas desportivas são as mais frequentes entre os apostadores online.
DESENVOLVIMENTO E ANÁLISE
Uma vez mencionados os principais aspectos, o trabalho avançou extensivamente sobre cada um desses parâmetros apresentados. Vamos ver aquí ponto por ponto.
a) Aproximadamente 2 em cada 3 jovens já se envolveu em jogos de azar
O estudo investigou o envolvimento dos participantes em jogos de azar, tanto na sua forma tradicional (offline) quanto por meio de plataformas online, com o objetivo de mapear a prevalência deste tipo de atividades na população estudada (fig. 1). Os resultados sugerem uma forte preferência pela forma tradicional de jogos de azar entre os participantes, embora uma parcela expressiva também tenha aderido às plataformas de jogo de azar online.
Entre os 2.028 entrevistados, constata-se que 1.371 (67,6%), já tinham apostado dinheiro em algum jogo, enquanto 657 (32,4%) afirmaram nunca ter participado em atividades de jogo de azar a dinheiro. Aqueles que admitiram já ter apostado foram posteriormente questionados se o tinham feito de forma tradicional e presencial (offline) e/ou por meio de plataformas online. Os resultados revelam que a esmagadora maioria dos inquiridos, aproximadamente 92,6% (1.273 indivíduos), apostou a dinheiro em jogos de azar usando métodos tradicionais (offline). Por outro lado, um número menor, porém expressivo, 41,5% (569 indivíduos), apostou usando plataformas de jogo de azar online.
b) Os homens preferem mais o jogo online que as mulheres, e os mais jovens participam mais em jogos online
Verificaram-se diferenças significativas entre homens e mulheres na participação em jogos de azar, tanto offline quanto online (fig. 2). Enquanto a participação masculina é predominante nos jogos de azar online (61,2% versus 17,1% nas mulheres), as mulheres apresentam uma taxa mais elevada de envolvimento nos jogos de azar offline (97,4% versus 89,2% nos homens). Essas descobertas destacam a importância de compreender as motivações e comportamentos específicos de homens e mulheres no contexto dos jogos de azar, permitindo um olhar mais abrangente sobre esse fenómeno.
Ao analisar a distribuição por faixa etária em jogos de azar (fig. 3), observamos que 90,27% dos indivíduos entre 15 e 24 anos já participou em jogos offline, enquanto 9,73% nunca o fizo. Já na faixa etária de 25 a 34 anos, a taxa de participação em jogos offline é ainda maior, com 94,84% já tendo apostado, e apenas 5,16% nunca participou. Além disso, constatamos que 45,97% das pessoas entre 15 e 24 anos apostou em jogos de azar online, enquanto na faixa etária de 25 a34 anos, esse número é de 38,06%. Em suma, verifica-se que as pessoas entre 25 e 34 anos têm uma maior taxa de participação em jogos de azar offline em comparação com a faixa etária de 15 a 24 anos, enquanto a faixa etária de 15 a 24 anos apresenta uma maior participação em jogos de apostas online em comparação com a faixa etária de 25 a 34 anos.
c) A maioria dos jovens tem uma frequência de envolvimento moderada ou baixa com jogos de azar online
Quando analisamos os dados que revelam a frequência de envolvimento em atividades de jogo online, envolvendo apostas a dinheiro em diferentes períodos (fig. 4), verifica-se que 33,9% dos participantes admitiu ter jogado em 41 ou mais ocasiões, enquanto 16,5% jogou de 1 a 4 vezes ao longo da vida. Nos últimos 12 meses, o maior percentual foi de 20,2% na categoria de 1 a 4 vezes, seguido por 19,9% para quem admitiu ter jogado de 5 a 14 vezes. Nos últimos 3 meses, a maioria dos entrevistados (29,4%) jogou de 1 a 4 vezes, e 22,6% participou de 5 a 14 ocasiões. Esses dados indicam que, de maneira geral, a maioria dos entrevistados possui uma frequência de jogo online relativamente baixa a moderada. No entanto, uma parcela significativa dos inquiridos (33,9%) já se envolveu em apostas online em 41 ou mais ocasiões ao longo da vida, o que levanta questões sobre o comportamento de jogo desses indivíduos.
4) A maioria dos jovens apostadores gasta mensalmente 20 euros ou menos em jogos a dinheiro online
Os dados apresentados são referentes ao montante médio despendido mensalmente pelos participantes que apostam em formas de jogo a dinheiro online, divididos em seis categorias: “Menos de 20 euros”, “De 21 a 40 euros”, “De 41 a 60 euros”, “De 61 a 80 euros”, “De 81 a 100 euros” e “Mais de 101 euros”. Como se pode observar na figura 5, obtém-se a seguinte distribuição: 59,3% despende mensalmente 20 euros ou menos; 15,8% gasta por mês entre 21 e 40 euros; 8,2% expende mensalmente entre 41 e 60 euros; 0,7% faze um dispêndio mensal entre 61 e 80 euros; 2,8% desembolsa por mês entre 81 e 100 euros, enquanto 7,3% gasta mensalmente 101 euros ou mais. Por outro lado, 5,9% dos participantes que relatam fazer jogos de apostas online a dinheiro não sabe ou não responde a esta questão.
Com base nos dados obtidos por autorrelato dos jovens apostadores online, constata-se que cerca de 60% despende mensalmente 20 euros ou menos, sugerindo algum controlo de gastos neste tipo de atividades. É igualmente pertinente verificar que 11,7% dos participantes desembolsa entre 41 e 100 euros por mês, ou seja, somente uma percentagem limitada dos participantes se envolve num dispêndio superior a 41 euros, revelando um claro investimento, mas ainda com alguma contenção no montante alocado a este tipo de atividades online.
5) As apostas desportivas são a modalidade de jogo mais popular
Existe atualmente uma elevada diversidade de jogos online a dinheiro. Para melhor caracterizar os comportamentos dos jogadores, examinámos a frequência de participação online em jogos a dinheiro no último ano, por tipo de jogo, pressupondo 11 tipos de jogo distintos: “Euromilhões”, “Raspadinhas”, “Totoloto”, “Bingo”, “Slot machines”, “Apostas desportivas”, “Poker”, “Jogos de casino”, “Jogo de cartas a dinheiro”, “Jogo de dados a dinheiro” e “Loot boxes”. Foi solicitada a cada participante a indicação sobre a frequência com que se dedicavam a cada uma destas atividades, usando para o efeito as seguintes categorias: “Nenhuma vez / Nunca”, “Uma vez por ano”, “Uma vez de 3 em 3 meses”, “Uma vez por mês”, “Uma vez por semana”, “Todos os dias” e “Várias vezes ao dia”.
Como se pode observar na figura 6, de entre o conjunto diverso de jogos de azar que se encontram disponíveis online, são as apostas desportivas as mais populares e as que suscitam uma atividade mais frequente por parte dos participantes. Com efeito, 61,5% dos apostadores online envolveu-se nesta modalidade de jogo nos últimos 12 meses. É ainda nas apostas desportivas que se verifica uma maior frequência de jogo: 13,5% dos jogadores indica realizar apostas desportivas com uma periodicidade mensal, enquanto 17,8% faze apostas desportivas semanalmente, e 8,1% faze apostas diárias ou mesmo várias vezes ao dia. Além disso, somente as apostas desportivas, a par dos jogos de casino e do poker, são jogadas online várias vezes ao dia, respetivamente por 0,7%, 0,4% e 0,2% do conjunto de inquiridos que jogam a dinheiro online.
No ranking da popularidade junto dos apostadores jovens surgem em segundo lugar os jogos de casino online, que envolveram no último ano 25,7% dos jovens jogadores online, sendo que 6,9% se envolveu neste tipo de jogos com uma periodicidade mensal, e 5% aposta em casinos online com uma regularidade semanal ou mesmo diária.
É ainda relevante examinar os comportamentos de jogo online relativamente às slot machines e ao Euromilhões. Estas duas modalidades parecem gozar de uma popularidade limitada online junto dos jovens apostadores portugueses, dado que somente 15,1% e 14,2%, respetivamente, dos jogadores online participou neste tipo de jogos de azar no decurso do período em apreço.
Curiosamente, o poker, que havia sido, de entre os muitos jogos a dinheiro online, aquele que suscitava uma adesão mais expressiva por parte dos apostadores portugueses no IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral (SICAD, 2019), com cerca de um quarto dos jogadores a fazerem apostas em poker, emerge com menor popularidade no presente estudo, já que somente 10,3% dos jovens jogadores online se aventurou nesta modalidade nos últimos 12 meses.
Os resultados aqui apresentados parecem demonstrar que, apesar dos baixos indicadores mencionados, será valioso que os pais e os educadores permaneçam vigilantes em relação ao envolvimento dos jovens em jogos de azar online.