Para compreender a situação atual do jogo físico em Portugal, é primeiro importante saber como tem sido o seu desenvolvimento ao longo da história. Esse é o eixo que irei trabalhar neste artigo.
ANTES DA REGULAMENTAÇÃO DE 1927
Em 1920, só a cidade de Lisboa possuía 35 casas de jogo clandestinas. Nos “loucos anos ‘20” do século XX, a vontade de ganhar dinheiro fácil era muito comum. Nas praias de Portugal, com destaque para a Póvoa de Varzim, Espinho e Figueira da Foz, o jogo fervilhava. E, também nas várias termas de saúde se jogava forte. A atividade fugia ao fisco, numa altura em que o Governo pretendia reduzir o défice orçamental do país. Para atenuar as tão faladas consequências nefastas do jogo, o Governo não hesita: tira o jogo da clandestinidade e cria um suporte jurídico, bem organizado e cautelosamente ensaiado, com vista a prevenir situações menos claras. Assim, no final de 1927, o Governo passa a regulamentar o jogo, através do Decreto n.º 14.643, de 3 de dezembro. O Governo assumia definitivamente o jogo como uma atividade legal, embora reconhecesse as tão apregoadas nefastas consequências do mesmo. O pensamento de Tomás Cabreira em 1927 (um republicano que havia sido ministro das Finanças em 1914) era bem claro: “O jogo tal como se explora atualmente, apesar de todas as proibições que ninguém respeita e de que todos se riem, é uma receita perdida para os cofres públicos, para os melhoramentos locais e para a assistência a crianças e inválidos, que muito teriam a lucrar, se o jogo fosse regulamentado e acabasse a comédia indecorosa da sua impossível repressão”.
A favor da efetiva regulamentação do jogo são mobilizadas influências várias e constituídos grupos de pressão que tanto articulam interesses públicos como privados, associações profissionais e, claro, as autarquias. Fora dos organismos oficias, e ao nível urbano, o combate pró-regulamentação era conduzido pelos proprietários, comerciantes e industriais. O operariado e demais classes populares, virão a ser aliás, subtilmente arredados, das “ilustres casas da roleta”. Também a exigência de construção de estabelecimentos modelares e sumptuosos acabará por excluir um público de baixa extração económico-social. Não obstante todo o pensamento e pressões pró-regulamentação, durante a I República, e antes mesmo, com projetos de regulamentação monárquicos, a verdade é que a aprovação só viria a ocorrer após a instalação da Ditadura do 28 de maio de 1926.
AS LEIS DO JOGO: PRIMEIRA LEI DE 1927
No preâmbulo do decreto de 1927, admite-se que os interesses políticos dos governos partidários se encontravam relacionados com as diversas tentativas goradas de regulamentação. Agora, “inaugurado o governo da ditadura militar, de novo a tentativa surgiu, mas agora em condições de se converter em realidade, porque a Ditadura, não carecendo de uma clientela eleitoral, não tinha que sucumbir aos interesses molestados com a regulamentação do jogo”. Segundo a opinião de alguns, a regulamentação do jogo teria sido uma das “moedas de troca” para o apoio financeiro ao movimento que deflagrou em 28 de maio de 1926 e que abriu caminho à institucionalização do Estado Novo em Portugal. A então nova lei de liberalização e regulamentação de 1927 enumera as modalidades de jogos de fortuna ou azar, proibindo-se o seu exercício fora dos casinos aos quais fosse concedido o monopólio da exploração. Através de uma regulamentação específica, exigia-se que a concessão, cujo prazo era de 30 anos, se efetuasse através de concurso, a uma empresa constituída sob a forma de sociedade anónima de responsabilidade limitada, que tivesse a sua sede social em Portugal.
AS LEIS DO JOGO: SEGUNDA LEI DE 1958
Bem sintomática da época que então se vivia, em pleno Estado Novo de Oliveira Salazar, surge a lei de 1958, a qual, de forma bem vincada, estabelece as fronteiras do jogo como mal social, procurando isolá-lo. Enquanto que em 1927, o legislador não o dizia de forma explícita, este novo diploma vai ao ponto de apelidar o jogo como algo de imoral! Reduzia-se o prazo das concessões a vinte e cinco e dez anos, conforme se tratasse de zonas permanentes ou temporárias. Neste diploma de 1958, mantêm-se Estoril e Ilha da Madeira (Funchal), sendo Figueira da Foz, Espinho e Póvoa de Varzim as cidades que tinham a possibilidade de explorar o jogo, mas apenas de forma temporária. De maio a outubro.
AS LEIS DO JOGO: TERCEIRA LEI DE 1969
Em 1969, o Governo cria uma nova zona de jogo, no Algarve, e atribui-lhe o estatuto de permanente. O que se deveu em parte ao desenvolvimento daquela zona do país; sobretudo, a sua forte apetência para a atividade turística. É também nesta data que o Estado obriga as concessionárias a fazer executar, diariamente, no casino, nas dependências para tal destinadas, programas de atrações, variedades e diversões, nacionais e estrangeiras, de bom nível artístico, bem como a promover exposições, espetáculos e provas desportivas.
AS LEIS DO JOGO: QARTA LEI DE 1989
O novo quadro legal considerou que os casinos faziam parte do lazer, da oferta turística que entrou nos roteiros de um país que se pretendeu abrir ao negócio. Os grandes núcleos urbanos e as regiões onde se localizam os casinos, privilegiadamente a orla costeira, apresentam hoje um grau superior de desenvolvimento face às do interior do país. A distribuição das receitas geradas pela atividade do jogo no seu segmento social contribuiu para a requalificação e ordenamento urbano, requalificação ambiental, manutenção do património histórico, arquitetônico e cultural, desenvolvimento do desporto amador, instalação e manutenção de equipamentos desportivos, apoios a iniciativas ocupacionais para jovens e prestação de cuidados de saúde e apoio social. Mercê das opções efetuadas quanto à geografia das zonas de jogo, o país foi apetrechado com um quadro de oferta turística de qualidade. Porém, tais opções contribuíram para acentuar as assimetrias regionais entre o litoral e o interior do país. Não é possível fazer a história do turismo português sem pensarmos no relevante contributo que lhe tem sido prestado pela atividade do jogo, em resultado da sua participação desde os anos ‘20 do século XX, na construção do turismo nacional. Em boa hora o legislador de 1927 teve a visão certa, e construiu uma matriz que no essencial ainda hoje perdura em Portugal.
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