Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
Funcionária brasileira com vasta experiência, é importante fazer uma apresentação de Simone Vicentini. Se trata de uma reconhecida advogada, especialista em Direito Constitucional e Administrativo, que deixou sua marca como Ex-Coordenadora-Geral de Loterias e ex-Secretária-Adjunta de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Recentemente, ingressou no escritório CSMV Advogados como Coordenadora de Betting e Esportes. Além disso, exerce o cargo já mencionado na Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo.
Você é uma referência jurídica no debate de legislação de jogos e apostas no país. Conte mais sobre essa trajetória até chegar à sua atualidade no escritório CSMV Advogados.
Antes de assumir a coordenação da área de betting e esportes do CSMV, liderada por José Francisco Manssur, e a Vice-Presidência da Comissão do Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo/SP, passei por uma longa trajetória profissional no serviço público. Trabalhei principalmente nas áreas de Transporte e Mobilidade (Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo – STM, Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo – CET/SP, Secretaria de Mobilidade e Transportes do Município de São Paulo – SMT e Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas – EMDEC); Turismo (Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo, atual SPTuris e CPETUR – Companhia Paulista de Turismo do Estado de São Paulo), e Cultura (Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo). Em janeiro de 2023, Manssur foi nomeado Assessor Especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda e me convidou para assumir a Coordenação-Geral de Loterias da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério e prestar assessoria jurídica na regulamentação das apostas de quota fixa, providência pendente desde a edição da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Desde então, trabalhamos intensamente na edição da Medida Provisória nº 1.186, de 25 de julho de 2023, e da Proposição Legislativa nº 3.626/2023, atos que, na forma do Substitutivo ao PL nº 3.626/2023, culminaram na edição da Lei nº 14.790, de 30 de dezembro de 2023. Neste período, promovemos um amplo debate junto à sociedade civil, membros do Congresso Nacional, operadoras e demais integrantes do mercado de apostas, experiência indispensável na elaboração do arcabouço regulatório da exploração comercial das apostas esportivas e dos jogos online no Brasil. A partir da edição da Lei, foi possível a criação da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda – SPA/MF e o início da efetiva regulamentação da matéria, iniciada em 2023 e consolidada na Agenda Regulatória publicada sob minha gestão (Portaria SPA/MF 561, de 08 de abril de 2024, que institui a Política Regulatória e torna pública a Agenda Regulatória para o exercício de 2024).
Como você vê hoje o cenário legal e o processo de regulamentação dos jogos e apostas no Brasil? Quais os desafios -tanto para empresas quanto para apostadores-, e os próximos passos a serem seguidos para que a regulamentação funcione de forma plena?
O início da regulamentação das apostas esportivas e dos jogos online no Brasil foi um passo importantíssimo, essencial para o estabelecimento de um mercado seguro e sustentável, apto a atrair investimentos e gerar receita, emprego e renda, além de outros benefícios para o país. Desde a edição da Lei nº 13.756/2018, que instituiu a referida modalidade lotérica no território nacional, este mercado vinha operando no Brasil a partir de sites hospedados no exterior, sem qualquer regramento, sem o recolhimento de tributos e sem controle ou adoção de políticas de jogo responsável, integridade, prevenção à lavagem de dinheiro e outros delitos, medidas indispensáveis neste setor. O procedimento para apresentação do requerimento de autorização para exploração comercial de apostas de quota fixa no Brasil foi iniciado em maio deste ano com a publicação da Portaria SPA nº 827/2024. Atualmente, as empresas estão em período de adequação até 31 de dezembro de 2024, de forma que, a partir de 1º de janeiro de 2025, somente as operadoras autorizadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda poderão explorar a atividade em todo o território nacional. Os sites autorizados pelo Governo brasileiro serão identificados pelo domínio “.bet.br”, que não poderá ser utilizado por sites ilegais. A medida facilita a identificação dos sites legalizados, conferindo maior proteção aos apostadores. Inúmeros serão os desafios do Governo e do mercado para o pleno funcionamento da regulamentação. Por parte do regulador e demais órgãos públicos responsáveis, considero essencial o cumprimento da Agenda Regulatória instituída em abril deste ano, além do estabelecimento de diretrizes eficazes de jogo responsável e de prevenção, monitoramento e combate à criminalidade e ao jogo ilegal, temas que precisam ser enfrentados com prioridade. Acredito na eficiência das instituições governamentais brasileiras e no comprometimento das operadoras na implementação das políticas e demais requisitos exigidos na lei e na regulamentação. Apenas o cumprimento das normas por parte de operadoras, apostadores, instituições financeiras, provedores e demais prestadores de serviços deste mercado, aliadas ao monitoramento, às ações de fiscalização e ao combate do mercado ilegal, serão capazes de garantir a efetividade da regulamentação e o pleno funcionamento do setor de apostas.
No que diz respeito às atividades fraudulentas, qual sua opinião sobre estas questões para que exista um ambiente de negócios justo, competitivo e seguro para as operadoras estarem dentro das regras? Como fica a publicidade com a regulamentação sendo o jogo responsável um ponto chave nesta questão?
O combate às atividades fraudulentas é uma responsabilidade de todos: Poder Público, operadoras, instituições financeiras, provedores, agências de publicidade, veículos de comunicação e demais empresas que atuam no mercado de apostas. Recentemente, foi publicada a Portaria SPA nº 1.143, de 11 de julho de 2024, que dispõe sobre políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa. Por sua vez, a Portaria SPA nº 615, de 16 de abril de 2024, estabelece regras gerais para transações de pagamento na operação de modalidade lotérica de apostas de quota fixa, dentre as quais estão a proibição do uso de cripto ativos e de cartões de crédito, esta como medida de jogo responsável voltada à prevenção do endividamento. Quanto aos transtornos do jogo problemático, serão necessárias ações integradas entre Poder Público e operadoras para prevenção, monitoramento e tratamento das pessoas diagnosticadas, além da realização de campanhas de conscientização quanto aos potenciais danos da prática compulsiva, aliada à veiculação de publicidade em consonância com as regras estabelecidas na Portaria Normativa MF nº 1.330/2023 e no Anexo “X” do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. O tema demanda especial atenção quanto aos riscos do desenvolvimento e crescimento dos transtornos do jogo problemático na população adolescente, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países. Neste ponto, além de medidas educativas e de conscientização, é essencial um controle mais efetivo da publicidade, especialmente aquelas veiculadas nas redes sociais, conforme normativo estabelecido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, na Resolução CONANDA nº 245, de 4 de abril de 2024, que dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente em ambiente digital.
Para você, como será possível monitorar e controlar a integridade das apostas esportivas e diminuir a manipulação dos resultados com a regulamentação?
A prevenção e o combate às fraudes na realização de apostas em detrimento da integridade esportiva e da incerteza do resultado demandam a utilização de sistemas eficazes de monitoramento, além de uma fiscalização constante, acompanhada de ações sancionatórias céleres e efetivas. Essencial também a realização de campanhas de conscientização, cursos e treinamentos ministrados a atletas, árbitros e apostadores quanto às consequências civis e criminais da prática de atos voltados à manipulação de resultados em apostas esportivas. No Brasil, o monitoramento da integridade será realizado em conjunto pelo Ministério do Esporte e pelo Ministério da Fazenda, nos termos do parágrafo único do art. 4º da Portaria Interministerial MF/MESP/AGU Nº 28, de 22 de maio de 2024: “No exercício de sua competência na prevenção e combate às práticas atentatórias à integridade esportiva e ao resultado esportivo de que trata o art. 9º da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023, o Ministério do Esporte comunicará a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda sobre os indícios de fato apurado que atente contra a integridade e imprevisibilidade dos eventos e dos resultados esportivos, quando passíveis de aposta de quota fixa, para efeito da aplicação das penalidades de sua competência, previstas no art. 41 da Lei nº 4.790, de 2023.”
Quais são as suas expectativas em relação ao crescimento do mercado de apostas no Brasil após a implementação da regulamentação?
O mercado de jogos e apostas no Brasil já vinha crescendo exponencialmente desde os anos de 2020 e 2021, impulsionado pela Pandemia de COVID-19 e pelas novas tecnologias. Este processo se intensificou após a promulgação da Lei nº 14.790 em dezembro de 2023 e o início da regulamentação. Houve um aumento de 34% nas contratações do setor no primeiro trimestre de 2024, o que demonstra o enorme potencial do mercado brasileiro, que hoje já é um dos maiores do mundo em quantidade de apostas. Espera-se um crescimento maior a partir da consolidação da atividade no início de 2025, além da expectativa de votação ainda este ano, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei que libera a atividade de cassinos no país. Acredito, portanto, que a regulamentação dos jogos no Brasil é um caminho sem volta, essencial ao controle e ao monitoramento deste relevante setor da economia. Desde 2018, a indústria demanda urgentes providências por parte do Poder Público, não só em termos de justiça tributária, mas especialmente na implementação das políticas de jogo responsável. É necessário desenvolver ações de prevenção e combate ao endividamento e aos transtornos do jogo problemático, na garantia dos direitos dos apostadores, no combate à prática de delitos na exploração de apostas, dentre outras medidas essenciais à instituição de um mercado de apostas seguro, sustentável, eficiente e socialmente responsável.