Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
Licenciada em Direito e pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito da União Europeia, Carla Vicente especializou-se em Direito do Jogo. Esta executiva, Assessora Jurídica da Provedora de Justiça em Lisboa, Portugal, é autora de inúmeras publicações em sites especializados do segmento, além de livros lançados, como o recente “Noção de Jogo. Consequências jurídico-práticas”.
Como vê o panorama atual de jogadoras comparado ao dos homens jogadores? O homem joga mais que a mulher?
Passaram 65 anos desde que, em 1958, se interditou a entrada das mulheres casadas nos casinos por via do Decreto-Lei n.º 41562. Esta proibição apenas podia ser afastada pela mão do marido: era permitida a entrada se estivessem acompanhadas do marido ou se este as tivesse autorizado mediante declaração escrita, com assinatura reconhecida pelo notário. Esta proibição foi reiterada em 1964 e 1969 em diplomas que, respectivamente, alteraram e sucederam ao acima referenciado, e que diminuíram a amplitude daquela proibição: só as mulheres casadas, menores de 25 anos, tinham de ser acompanhadas pelos maridos. Apenas em 1983 foi legalmente reconhecido o direito feminino de jogar em casinos, em exatas condições de igualdade com os homens, ou seja, há exatamente 40 anos, no século XX! Não obstante, esta igualdade já lhes era reconhecida pela Lei Fundamental: a Constituição da República Portuguesa já havia consagrado, em 1976, o princípio da igualdade em razão do sexo. Atualmente, as mulheres portuguesas jogam, mas não tanto quanto os homens. Segundo estudo realizado pela Universidade Nova, por iniciativa do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) -publicado em 23 de junho do corrente ano-, a prevalência de jogos a dinheiro “é mais elevada entre os homens (62,7 %) do que entre as mulheres (49,0 %), sendo a proporção mulheres/homens o mesmo em 2012 e 2022 (78/100), após uma subida em 2017 (88,6)”. No mesmo estudo refere-se que, na população dos jovens adultos (15-34 anos), “o comportamento das mulheres aproxima-se mais do dos homens, quando a comparamos com a população total: em 2022, há 82,5 mulheres para 100 homens que jogam, proporção que vem descendo em relação a anos anteriores: 85,7 em 2017 e 86,3 em 2012”. Por seu turno, em inquérito realizado aos jovens que participaram no Dia da Defesa Nacional, em 2021, conclui-se que são os rapazes que mais referiram apostar online. Em geral, tem-se assistido a um aumento da implementação do jogo online entre os jovens de 18 anos, principalmente entre os rapazes, mas também entre as jovens. Em sentido inverso, outro estudo do SICAD concluiu que são as mulheres que mais jogam raspadinhas (dados de 2017). Trata-se de um jogo acessível, disponível em qualquer papelaria ou café, com um montante de investimento baixo (desde os €0,10 a €10 cada), e que poderá ser objeto de um menor preconceito social. Poderão residir aqui as explicações para esta inversão na representação de género.
Existe um perfil de mulheres que se dedicam aos jogos com faixa de idade específica?
Não existem dados globais recentes. Apenas podemos saber, através dos estudos atrás mencionados, que: a) Nas raspadinhas, prevalecem as mulheres jogadoras que têm entre 35 e 54 anos, com habilitações relativamente baixas e rendimentos entre €500 e €1000 mensais; b) Aos 18 anos, apenas 9,1% das raparigas referem que jogou a dinheiro, com preferência por lotarias, ao invés dos rapazes que preferem as apostas desportivas; e c) Em 2014, o perfil do jogador offline para as mulheres caracteriza-se pela idade de 50 anos, contra a idade de 40 no caso dos homens. Também no jogo online as mulheres começam a jogar mais tarde que os homens.
Juridicamente, existe alguma diferença na condução de processos instaurados relacionados às mulheres, em comparação com a dos homens?
Não há, nem pode haver. Como acima referi, a Constituição proíbe a discriminação em razão do sexo em termos gerais e, portanto, em matéria de jogo também.
Qual a visão da sociedade atualmente quanto às mulheres que se dedicam aos jogos de azar?
Não existem dados sobre esta questão e não é uma questão muito debatida ou sequer noticiada, nomeadamente na comunicação social. Sabe-se, no entanto, que as mulheres têm menos probabilidade de se tornarem jogadoras patológicas, por comparação com os homens e que, entre 2012 e 2017, houve uma diminuição da probabilidade das mulheres se tornarem jogadoras patológicas (de 0,4 para 0,1 %). Já entre os homens, essa probabilidade passou de 0,8% para 1,0% (tenha-se presente que, na população em geral, 1,3% apresenta alguns problemas de jogo, enquanto 0,5% tem probabilidade de ser jogador patológico). A perceção que tenho é que a prática de jogo é mais associada aos homens o que é facilmente explicável pela predominância dos mesmos no universo dos jogadores, mas também no universo dos jogadores patológicos.