Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
O Entain é um dos maiores conglomerados britânicos de jogos e apostas esportivas. O Grupo possui ramificações em Lisboa através da Entain Operations Portugal S.A., representando a marca Bwin em solo português, e Sportingbet no Brasil, reconhecidos por ampla atuação na área de iGaming.
Sabemos que programas de Compliance são fundamentais para as empresas do segmento iGaming. Sendo um profissional desta área no Entain Group e atuando no mercado de Portugal, qual a sua ótica quanto ao jogo responsável neste quesito?
O Compliance é importante em todas as indústrias, mas particularmente crítico nas mais reguladas. Em Portugal, o jogo online é um setor fortemente regulado, sendo a função de Compliance essencial. As operadoras estão sujeitas a um conjunto elevado de obrigações, que derivam do enquadramento legal e regulamentar, e é função do Compliance garantir que todas essas obrigações são integralmente cumpridas. O jogo responsável é, sem dúvida, uma das áreas que consta do programa de Compliance. A regulação portuguesa prevê vários mecanismos e obrigações a este nível, como os sistemas de autoexclusão, os períodos de pausa, os limites que cada jogador pode definir para a sua atividade de jogo, entre outros, e cabe à área de Compliance garantir a conformidade e correto funcionamento dos mecanismos referidos. Ouvi há uns anos uma frase que transformei em lema: “Good gambling is good responsible gambling” (‘Um bom jogo é um bom jogo responsável’).
Como aplicar o Compliance seguindo as particularidades de cada país?
Efetivamente, sendo o Compliance uma área que tem como missão garantir que a operação da organização esteja em conformidade com normativas, existe esse ponto de partida: cada país tem os seus normativos próprios (leis, regulamentos, outros). Assim, é necessário um conhecimento específico da realidade de cada território para depois retirar as obrigações, e trabalhar por forma a garantir o cumprimento dessas obrigações. Só assim é possível obter índices de conformidade efetivos. A título de exemplo, uma das áreas em que existem obrigações de reporte na indústria iGaming está relacionada com a prevenção ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (no Brasil, prevenção à lavagem de dinheiro). Os requisitos para cumprir esta obrigação serão diferentes em Portugal e no Brasil, tales como serão os requisitos ao nível, por exemplo, das regulamentações para a proteção de dados, entre outras. É por isso que um Programa de Compliance não pode ser um mero exercício de copy-paste inter-regional, de soluções pré-feitas, exigindo sim um programa pensado (e continuamente ajustado) em função da especificidade de cada empresa, setor de indústria ou país.
A Inteligência Artificial (IA) é uma tecnologia que tem sido utilizada em inúmeros setores, e atualmente também por empresas de jogos de apostas online. Como essa ferramenta é usada na detecção de irregularidades e de comportamentos de risco dos jogadores?
Como enquadramento, diria que o ambiente é globalmente saudável: a vasta maioria de apostadores joga de forma responsável e equilibrada. É o que se pretende. O jogo, em geral, assim como o iGaming em específico, deve ser encarado como atividade lúdica, de lazer, controlada. Sabemos, no entanto, que há uma minoria de jogadores que pode desenvolver conflitos, e por esse motivo, contamos com meios humanos (equipes de jogo responsável) e tecnológicos que nos ajudam a detectar e prevenir comportamentos problemáticos. É dentro deste contexto que a IA tem sido cada vez mais utilizada, pela alta capacidade de processamento de informação, de identificar padrões de risco, que geram alertas para as equipes de jogo responsável. Em resumo, a IA é uma tecnologia importante, muito presente, mas que é complementada pela dimensão humana das equipes de jogo responsável. Esta é uma área em constante atualização, É preciso continuar a investir em pesquisa acadêmica, envolver os investigadores, para que possamos agir de forma cada vez mais efetiva e precoce, sempre com a proteção do jogador no horizonte.
Qual sua visão quanto ao mercado brasileiro iGaming comparado ao de Portugal?
Vi com agrado a recente assinatura por parte do Governo brasileiro da Medida Provisória que regulamenta as apostas desportivas de quota-fixa no Brasil. O Brasil tem a lei de 2018, mas a ausência de regulamentação dessa lei criou um vazio perigoso: centenas de operadoras trabalhando sem regras. Não pode existir indústria de jogos sem regras, sem monitorização e supervisão do mercado. É difícil fazer comparações quando falamos de países tão diferentes, com as suas especificidades, desde logo na dimensão (o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes). Diria antes que o Brasil tem, pela sua influência continental e paixão pelo esporte, um elevado potencial para se tornar um dos principais mercados globais. Várias pesquisas indicam isso mesmo. Recuperando a ideia inicial, saúdo as autoridades públicas brasileiras pelo esforço de tirar o iGaming de uma zona cinzenta e opaca, e trazer a indústria para um ecossistema regulamentado, transparente, que permite a segurança e proteção do consumidor. Isto é válido para qualquer indústria.
Quanto à recém-publicada regulamentação das apostas desportivas no Brasil, em que se diferencia daquela de Portugal, e quais seriam seus pontos positivos e negativos?
Penso que o importante é ter sido dado o primeiro passo rumo à regulamentação no Brasil, após a assinatura da Medida Provisória. Agora é tempo de discussão no legislativo, onde já foram apresentadas mais de 200 emendas parlamentares de alteração ao texto inicial. Isto significa que o texto final poderá ser bastante diferente do que conhecemos hoje, pelo que é prematuro emitir opinião. Sendo pronto para olhar para a vertente concreta, considero positivos os princípios e objetivos de interesse público que estão na sua génese, e que são similares aos princípios que estiveram na base da lei portuguesa em 2015. Posso mencionar as seguintes questões: garantir a exploração do jogo online de forma segura e idónea; combater o jogo ilegal; estimular o jogo responsável; proteger (impedir) menores e vulneráveis de aceder a atividade de jogo; prevenir a fraude, o branqueamento de capitais e outros ilícitos; salvaguardar a integridade do fenómeno esportivo, prevenindo práticas de manipulação, e, naturalmente, garantir arrecadação fiscal para o Estado para financiar setores de interesse público, como o desporto, saúde e educação. Vejo grande aproximação a este nível dos princípios e objetivos entre os dois países, o que é positivo. Quanto a pontos negativos, a elevada tributação tem sido comumente referida. Acredito que possa existir correção em sede legislativa, tal como a possibilidade de permitir outras verticais além das apostas desportivas de cota-fixa. É importante que o mercado regulamentado seja atrativo, por forma a garantir uma boa canalização dos jogadores.
Com relação às criptomoedas, cada vez mais populares como forma de pagamento nas apostas online, como são vistas estas transações no mercado?
Em Portugal, as criptomoedas não têm curso legal. A nossa Lei do Jogo Online (Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online) prevê que, nas operações de jogos e apostas online, são apenas admitidos instrumentos de pagamento que utilizem moeda com curso legal em Portugal. Dentro deste quadro, a utilização de criptomoedas não é possível. Importa, no entanto, referir que a União Europeia aprovou recentemente um regulamento (MiCA) que vem finalmente trazer regras claras e harmonizadas para o sector cripto. Acompanharemos essa discussão e estaremos atentos ao que o futuro trará nesta área. Não sou propriamente um “cripto-entusiasta” nem, por outro lado, um “cripto-pessimista”. Tento ser, na medida do possível, “cripto-atento”.