Se examinarmos os desenvolvimentos regulatórios em jogos, o que mais nos impressiona é que a publicidade é um dos tópicos mais quentes em muitas jurisdições. Grã-Bretanha, França, Holanda, Espanha, Portugal, Alemanha, Dinamarca, Lituânia, todos discutem, afinam, adaptam, alteram e endurecem as regras de publicidade de produtos de jogos. Até as proibições estão na mesa. A Itália foi um dos primeiros países a adotar uma proibição já anos atrás. Mas por que a política se concentra mais na publicidade? Por que é onipresente? A publicidade realmente aumenta o número de jogadores vulneráveis?
A PORCENTAGEM GERAL DE JOGO É BAIXA
Em primeiro lugar, é preciso entender que o público em geral não joga regularmente e não está interessado em anúncios de jogos de azar. Globalmente falando, 1,2 por cento da população mundial geral está jogando. Assim, ver muitos anúncios de jogos de azar, seja na TV, em outdoors, em jornais ou online, torna-se um exagero para muitas pessoas que expressam seu descontentamento. E se a publicidade for proibida na TV durante o dia, ela se acumulará nas horas noturnas, o que não vai melhorar em nada a percepção do indivíduo sobre a quantidade de publicidade que existe por aí.
Nesse sentido, a pesquisa não é totalmente conclusiva. Universalmente, países e pesquisadores têm realizado indagas e estudos de literatura sobre o impacto da publicidade no comportamento de jogo. A bibliografia de estudos empíricos sobre publicidade de jogos de azar em sua quarta edição por Per Binde da Universidade de Gotemburgo, Suécia, já preenche 142 páginas. Muitos estudos chegam à conclusão de que mais investigaçoes são necessárias. Então, há alguma evidência concreta de que a publicidade aumenta o jogo problemático?
O Relatório da Câmara dos Lordes do Reino Unido 2020 cita que a indústria do Reino Unido gastou 1,5 bilhão de libras por ano (aumento de 56%) entre 2014 e 2017. A 80 % de toda a publicidade de jogos de azar foi lançada na Internet. Mas nenhuma evidência pode ser encontrada para uma ligação causal entre mais publicidade e maiores taxas de jogo problemático. Além disso, o regulador sueco disse que não conseguiu avaliar o impacto das restrições do COVID-19, entre as quais foram encontradas ferramentas de publicidade, como bônus. Eles concluíram que as taxas de jogo problemático permaneceram praticamente estáveis durante a pandemia.
No entanto, algumas pesquisas descobriram que são de fato as pessoas vulneráveis que reagem mais forte para publicidade. Pessoas vulneráveis são jovens e pessoas que já demonstraram comportamento prejudicial. Consequentemente, há um risco maior para eles jogarem mais, o que desencadeia todos os efeitos colaterais negativos, como perder dinheiro que não têm ou desenvolver um comportamento de jogo que os prejudica gravemente. Exatamente por esse motivo, o Reino Unido está analisando a proibição de anúncios para esse grupo de pessoas.
OS CLIENTES PRECISAM SABER ONDE JOGAR COM SEGURANÇA
Olhando para essas questões, fica mais claro por que o problema da publicidade está na mesa. Mas ainda há outro elemento-chave a considerar. A publicidade é relevante para canalizar o interesse do usuário para a oferta regulada que garante um melhor controlo e maior proteção do cliente. Certos contratos, por exemplo, entre governos e loterias estaduais, chegam a definir o percentual do orçamento que as operadoras devem gastar em comunicação comercial.
Para os jogadores, é essencial saber quais fornecedores cumprem disposições rigorosas e quais não. É decisivo para eles conhecer para onde se dirigir se surgir um conflito. Por uma boa razão, a UK Gambling Commission recentemente informou até mesmo as operadoras sobre como orientar melhor os clientes no caso de uma reclamação, ou seja, quando possam necessitar de um conselho de arbitragem no seu país de residência. Para concluir, os clientes têm de saber onde encontrar a oferta licenciada e regulamentada. Eles obtêm essas informações por meio de comunicação comercial, ou seja, publicidade.
Mas permanece a questão dos jogadores vulneráveis. Mesmo que a publicidade de jogos de azar possa realmente não motivar aqueles que não são jogadores a iniciar uma ‘carreira de jogo’ (1) ou os jogadores casuais a jogar mais, sim pode desempenhar um papel exatamente com aqueles jogadores que já estão sendo levados ao jogo regular ou abundante. Além disso, hoje, mais formas de anúncios de jogos de azar estão disponíveis nas mídias sociais, que podem ter um impacto a longo prazo, particularmente em crianças.
Assim, pode fazer sentido diversificar as regras. A publicidade geral em grandes canais, como TV ou outdoors, parece ter menos impacto no comportamento do jogo enquanto a publicidade concreta e direcionada por e-mail, SMS, mídia social, muitas vezes combinada com incentivos como bônus, parece mostrar esse impacto com jogadores regulares.
EXISTEM REGRAS ESPECÍFICAS PARA CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS?
Então, como deve ser a publicidade para atender às necessidades dos clientes e, ao mesmo tempo, evitar efeitos colaterais negativos? A França, por exemplo, introduziu a obrigação de aprovar qualquer campanha publicitária antes de seu lançamento. Será interessante saber mais sobre como essa etapa influenciará o alcance e o impacto dos anúncios de jogos de azar nesse país. Na Holanda, as operadoras concordaram em permitir bônus apenas a partir dos 25 anos de idade. Isso irá expor os jovens com menos frequência aos anúncios. O Reino Unido considera a proibição de publicidade para grupos vulneráveis.
A ideia de permitir apenas um anúncio de jogo por espaço publicitário, discutida pela Associação Comercial Dinamarquesa há alguns anos, também seria interessante, embora colidisse com a lei da concorrência neste caso e, portanto, tenha sido descartada.
Além disso, pode-se seguir uma dupla estratégia: permitir a publicidade da marca sob certas condições, como não se dirigir a menores, não prometer vitórias irrealistas, etc. Hoje, isso é facilmente possível com IA e ofertas mais personalizadas.
Uma maneira adicional poderia ser anunciar marcas da oferta licenciada por meio de campanhas organizadas centralmente, e combiná-las com programas educacionais sobre os riscos do jogo. Mais educação é necessária em qualquer caso, e já está sendo fornecida, pelo menos em alguns países.
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(1) Correspondendo a uma pesquisa de 2021 feita na Alemanha, pouco mais de 90% dos entrevistados sem transtorno de jogo disse que a publicidade não teve efeito sobre eles, em comparação com 41,2% dos entrevistados com transtorno de jogo. Eles responderam que a publicidade os motivou a experimentar novos produtos de jogo. A porcentagem de transtorno de jogo foi encontrada da seguinte forma: 0,5% tem um transtorno grave, 0,7% um transtorno médio e 1,1% um transtorno leve. Os homens estão mais preocupados do que as mulheres.