Por H. B. Ducasse, analista.
Tal como acontece com a nossa socialização, o nosso trabalho e a nossa comunicação, os processos de ensino e aprendizagem são cada vez mais mediados por tecnologias. Claro que isso não seria novidade. O próprio alfabeto fonético é uma mediação, entendendo a linguagem como uma tecnologia de contato inter-humano. Na dinâmica atual, diante do desenvolvimento de novos ambientes virtuais e do avanço nas possibilidades de acesso e networking, o ecossistema educacional se expande e se enriquece. Assim, a contribuição dos videogames faz mais sentido.
IMPORTANTES FERRAMENTAS DE ALFABETIZAÇÃO
Hoje, os videogames atraem enormemente a atenção dos alunos. Por isso, cada vez mais as instituições os levam em conta, considerando que as formas tradicionais de ensino estão obsoletas para aquele ambiente tecnológico que mencionamos. Revisemos um pouco o contexto. Como se sabe, o crescimento dos jogos em tempos de pandemia tem sido exponencial. Dados da Telecom Argentina falam que o tempo de jogo na Internet aumentou mais de 100% no ano passado. Essas características se repetem no mundo todo. Inclusive a partir desse comportamento, em 2020, alguns acordos foram gerados entre as empresas de jogos e a Organização Mundial da Saúde para ajudar a manter as pessoas em casa desfrutando de conteúdos atrativos e prevenir a disseminação do vírus. Nesse sentido, são realizados cada vez mais estudos que mostram que os videogames são uma importante ferramenta de alfabetização e fortalecimento emocional dos jovens. Uma pesquisa publicada no Reino Unido, que atraiu 4.600 adolescentes com idades entre 11 e 16 anos, oferece algumas pistas. Do total consultado, 75% disse que os jogos os ajudam a se sentir parte de uma história, observando que os inspiram a ler mais. Além disso, 65% argumentou que os videogames os estimulam a imaginar que são outras pessoas, o que, para alguns analistas, promove formas de empatia e solidariedade.
Os dados ganham maior relevância nesta realidade. A América Latina oferece alguns trabalhos e análises a serem considerados. A premissa é clara: os videogames, atividades em princípio de mero entretenimento, têm aumentado sua incidência na configuração de nossas capacidades psicológicas e físicas. Representam também uma forma de apreender o mundo, inclusive na relação com os pares.
O ENFOQUE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
O reconhecimento institucional do jogo como ferramenta educacional está começando a se firmar em nossos países. ‘Algumas vinhetas para pensar (com) os videogames no ensino’ é intitulado o ensaio que o argentino Jaime Piracón, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Nacional de Pedagogia (UNIPE), publicou como parte do livro “Pensar a educação em tempos de pandemia”. Sua primeira aposta é desmistificar o papel dos videogames. Em seguida, ele nos convida a analisar o fenômeno como prática cultural, ao alertar: “Os videogames não vão salvar a educação”. Isso implica não cair no tecnocentrismo; abaixe o volume nas promessas, mas também na fala distópica, e pense seriamente nos jogos como uma experiência relacional em um mundo hipermediático. “Os cenários sobre os quais ensinaremos nossos alunos em breve são, em muitos aspectos, incertos; promessas e profecias evaporam em tempos em que imaginar é complicado, não porque não haverá futuro, mas porque é difícil antecipar sua forma”, escreve ele.
Piracón apresenta três casos para mostrar diferentes condições em que os videogames podem se constituir como disciplinas que ajudam a repensar a educação. Assim, ele propõe uma abordagem pelo prisma da curiosidade. Seu primeiro exemplo parece ser retirado da pandemia, mas aconteceu em 2005, nos servidores do videogame World of Warcraft (WoW), depois que a equipe de design introduziu um feitiço especial que seria executado por um personagem que habitava as masmorras. O feitiço corrompia o sangue da pessoa afetada e reduzia rapidamente seus ‘pontos de vida’. Os avatares mais fracos ou de nível mais baixos morriam rapidamente. Um vírus perseguindo e motivando as reações dos jogadores. Cuidar, abandonar, observar a morte. Um campo de experimentação para virologistas e imunologistas. Embora não tenha sido projetado para esses fins, os cientistas o consideraram um simulador. Eles começaram a experimentar e a fazer perguntas como: como os jogadores se comportariam se lhes fosse oferecido um número limitado de vacinas? Piracón conta que rios de tinta foram escritos a partir deste episódio, e também resgata as experiências de Pandemic e Foldit Lab, que começou a trabalhar no Coronavírus. Em seu segundo caso, Piracón relembra a situação vivida em uma sala de aula de uma escola de San Cristóbal, em Buenos Aires. Lá, a partir de um jogo, gerou-se um conflito na sala de aula. Em uma hora livre que os alunos tiveram, um professor permitiu que eles jogassem Minecraft, um título popular de construção de blocos. Os pais dos alunos não concordaram muito, o que gerou o debate. O último exemplo (‘vinhetas’, como Piracón as chama) se concentra em um videogame desenvolvido pela VanullaAce, o European Refugee Simulator (ERS). Inspirado no clássico Pong dos anos ‘70, promove uma leitura da crise com os refugiados na Europa. A experiência levou a pesquisar e a pensar sobre a possibilidade de abordar questões graves a partir dos videogames.
UM VALIOSO OLHAR DE COLÔMBIA
É notável que práticas com videogames em universidades e colégios e nas carreiras orientadas ao gaming estão abrindo novos cenários para um assunto que ainda não foi suficientemente trabalhado. Destacaremos também a antropóloga colombiana Nina Alejandra Cabra, com seu inspirador livro “Modo jugador o el cacharreo como forma de aprender y conocer los videojuegos”. É uma pesquisa participativa que busca apresentar o mundo dos videogames como uma experiência de construção do conhecimento entre jovens urbanos de classe média da cidade de Bogotá. O trabalho, que inclui a reivindicação das mulheres nesta área, trata de jogadoras experientes, que adquiriram elevados níveis de performance em consequência de longas horas de prática em comunidades que hoje, devido à pandemia, são exclusivas do mundo online. O autor propõe alguns gatilhos: como separar o conhecimento online do offline? Como entender essas experiências que não requerem a orientação de adultos para orientar ou regular a ação? A educação pode ser pensada sem mediações tecnológicas? São questões muito atuais que nos convidam a continuar analisando um fenômeno crescente, que representa uma mudança fundamental nos métodos de ensino e nos comportamentos da juventude.