Em 1927, a legalização do jogo territorial em Portugal também abriu as portas às mulheres. Contudo, em 1958, ocorreu um significativo retrocesso, fruto da conceção política do papel da mulher na sociedade (mãe, esposa e dona de casa), sendo-lhe interdita a entrada nos casinos, quando casada. Apenas duas exceções permitiam ultrapassar esta proibição, exceções estas que refletem a subjugação da mulher ao marido: ser-lhe-ia permita a entrada se estivessem acompanhadas do marido ou se este as tivesse autorizado mediante declaração escrita com assinatura reconhecida pelo notário. Posteriormente, esta proibição foi sendo amenizada em razão da idade. Quando lhes é reconhecido o direito a jogar em casinos, em exatas condições de igualdade com os homens -a coberto de legislação aprovada em 1989-, tal facto não as levou a aderir massivamente a esta atividade de lazer.
DADOS IMPORTANTES SOBRE A PARTICIPAÇÃO FEMININA
Muito embora não se disponha, em Portugal, de estudos muito recentes sobre a caracterização dos jogadores, pode-se dizer que resulta de todos os que já foram realizados -e em linha com as estatísticas ao nível mundial- uma maior prevalência dos homens em qualquer tipo de jogo, seja territorial, seja online. De acordo com dados de 2016/17 (a), a prevalência em jogos a dinheiro é de 48,1% na população residente em Portugal, sendo que os homens (51,1%) são mais frequentemente jogadores do que as mulheres (45,4%). Esta diferença verifica-se em todas as idades, acentuando-se, no entanto, no grupo dos mais idosos (65-74 anos). Há, no entanto, um jogo onde o número de mulheres prevalece sobre o dos homens: a Raspadinha (jogo que pode ser adquirido em papelarias ou cafés). Trata-se de um jogo mais acessível e que será objeto de um menor preconceito social: poderão residir aqui as explicações para esta inversão na representação de género.
Por seu turno, há também uma menor prevalência das mulheres no jogo problemático ou patológico (21%) (b), quer no jogo territorial quer no jogo online. Não obstante ser esta a regra, também em outros países, isso não invalidou que a GambleAware (c) (Reino Unido) tenha lançado, em fevereiro deste ano, a primeira campanha dirigida a mulheres com problemas de jogo. A campanha foi motivada por se ter concluído que 10% das mulheres no Reino Unido já experienciaram algum problema de jogo e que são mais suscetíveis de replicar os problemas de jogo do seu companheiro. Segundo estudos realizados, a mulher sente mais dificuldade em solicitar ajuda para os problemas de jogo, o que pode estar também relacionado com um maior sentimento de culpa e de vergonha. (d)
Note-se que as mulheres começam a jogar mais tarde. Contudo, na faixa etária superior aos 50 anos, por contraposição com os homens, apresentam maior risco de desenvolverem problemas com o jogo. É apenas nesta classe etária que as jogadoras patológicas ultrapassam os homens, verificando-se ainda que sofrem de uma progressão mais rápida nos problemas de jogo. (e)
De acordo com os dados disponíveis, podem ser facultadas mais três notas sobre a relação da mulher com o jogo em Portugal:
1) as mulheres arguidas dos crimes de exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar e da prática/presença em local de jogo ilícito representam cerca de 30% do total. (f)
2) as mulheres são as mais assíduas nos grupos de interajuda relacionados com o jogo, não enquanto jogadoras problemáticas, mas sim enquanto cônjuges ou mães de jogadores em recuperação, também eles integrados nos grupos de jogadores anónimos.
3) as mulheres são as que apresentam mais queixas à Provedoria de Justiça contra o mau funcionamento do regime jurídico de proteção de jogadores ludopatas. Apenas uma queixa foi apresentada por um homem ludopata. As restantes queixas foram apresentadas por companheiras de jogadores ludopatas.
——————————————
Notas de rodapé:
(b) Epidemiologia de Dependência de Jogo a Dinheiro em Portugal, Henrique Lopes, 2009, http://www.jogoremoto.pt/docs/extra/qSE2sB.pdf
(c) https://www.begambleaware.org/sites/default/files/2021-02/20210215WomenNGTSCampaignAnnouncment.pdf
(d) http://www.iaj.pt/wp-content/uploads/2016/03/Tese.pdf
(e) Ídem
(f) Sílvia Ângela Oliveira dos Reis Esteves: Jogos de fortuna ou de Azar – Criminalização ou descriminalização? Uma questão “simples” com uma resposta complexa, Fundação Bissaya Barreto setembro 2015, Coimbra.