Os ecos e reações da eleição do último domingo no Brasil ainda se fazem sentir e estão longe de se acalmar. A vitória pelo mínimo de Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva (50,9% dos votos contra 49,1%, uma espécie de empate quase técnico) no segundo turno das eleições contra o atual presidente Jair Bolsonaro mostra uma sociedade absolutamente polarizada, e isso não é bom para a economia, a relação entre os partidos e o futuro da indústria dos jogos.
Até os olhos do setor estão voltados para a formação do Parlamento, após o grande desempenho eleitoral do Partido Liberal, que ampliou sua composição nas duas Câmaras. Em 2023, o PL terá uma bancada na Câmara dos Deputados com 99 das 513 cadeiras (mais 23 do que hoje). Junto com o PP e os Republicanos, partidos que apoiam Bolsonaro, somariam quase 190 deputados. O poder de Bolsonaro também será sentido no Senado, onde, de 81 cadeiras, o PL aumentou seis para 13. Assim, no total, os partidos de ‘direita’ controlarão 53% da Câmara. No plano interno, então, Lula terá que sentar para negociar com essa oposição, mas também com a coalizão de 10 partidos que o levou ao poder, que vai da ‘esquerda’ a ‘centro-direita’. A negociação não será fácil porque o bolsonarismo terá maior força no Congresso.
OUTRAS PRIORIDADES INTERNAS E EXTERNAS
A realidade é que a situação socioeconômica do Brasil está longe de ser positiva. Após o forte impacto da pandemia, as metas prioritárias de Lula serão reduzir a fome, a pobreza e o desemprego, com dezenas de milhões de habitantes fora do sistema e em condições precárias de existência. Hoje, o Brasil tem mais de 11 milhões de desempregados e 47% da população trabalhando informalmente. Para piorar as coisas, a sociedade está profundamente fragmentada. Embora o líder do PT tenha anunciado seu desejo de “governar para os 215 milhões de brasileiros”, muitos deles desconfiam de sua honestidade e transparência, e consideram que ele deve continuar preso, como aconteceu entre abril de 2018 e novembro de 2019, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, com escândalos como “Mensalao” e “Operação Lava-Jato” que seus adversários não podem esquecer.
No contexto internacional, sabe-se que Lula apoia governos ditatoriais como a China de Xi Jinping e a Rússia de Vladimir Putin. A isso devemos acrescentar que, em suas primeiras declarações após as eleições, ele insistiu em seu desejo de fortalecer um Mercosul enfraquecido e criar um bloco continental para impor condições a uma Europa em crise energética e militar. Em segundo plano, está sua concepção de privilegiar predominantemente o setor primário brasileiro, gerando aspereza no empresariado industrial do país. Esta visão, bem como a já referida crise global, dificultam a entrada de investimento estrangeiro, algo que sem dúvida afetará a esperada legalização do jogo. A mistura de competências em um cenário internacional de grande fricção obrigará Lula a inovar no vínculo com as potências políticas e econômicas mundiais.
DILEMAS DE JOGOS NO BRASIL
No fundo, o líder do PT nunca foi a favor do jogo. Ele acredita que aumenta a pobreza e favorece a lavagem de dinheiro. Durante sua primeira presidência, em 2004, trancou as salas de bingo. Lula nunca teve a real intenção de legalizar a atividade. Nem nesta última campanha ele fez manifestações em torno do debate sobre a regulamentação no Congresso. Não é uma questão que está em sua agenda imediata.
De sua parte, embora Bolsonaro também não tenha se mostrado incentivando a atividade, foi durante seu Governo que os projetos de legalização avançaram. O atual presidente disse que aceitaria a regulamentação das apostas esportivas (quer que o Ministério da Justiça seja o responsável em vez do Ministério da Economia), mas não as demais verticais do setor, pois acredita que o país “ainda não está maduro para isso”.
Em fevereiro 2022, os deputados deram meia sanção ao projeto de legalização do jogo. Agora, é a vez de o Senado dar a luz verde o projeto. Se o Parlamento não aprovar o PL 442/91 este ano, a vitória de Lula e a mudança na composição das Câmaras podem dificultar atingir esse objetivo. Estima-se que se os jogos realmente fossem aprovados antes de 2023 pelo Senado, Lula não vetaria essa decisão pelo Congresso. São meras especulações, pois, além disso, as casas de apostas imaginam um governo Lula mais favorável aos projetos estatais do que ao estímulo ao investimento privado. Fica claro, então, que o lobby pró-regulação do jogo dentro e fora do Congresso terá que fazer um grande esforço para atingir seu objetivo. Estamos nos referindo a deputados que fizeram parte do Grupo de Trabalho do marco regulatório dos jogos, como Felipe Carreras, João Bacelar e Eduardo Bismark, e senadores como Davi Alcolumbre. Todos terão que contribuir para que a iniciativa seja apoiada no Senado. Até mesmo o papel de um promotor da legalização como Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que tem sido conciliador e acolheu Lula, enfatizando o diálogo e a transparência, será fundamental. Enquanto isso, o presidente da Câmara Alta, Rodrigo Pacheco, anunciou que o Marco Regulatório do Jogo integrará os debates assim que as sessões recomeçarem após o período eleitoral.
Sabe-se que muito dinheiro será perdido por não ter regulamentado a atividade antes da Copa do Mundo Catar 2022. Se regulamentadas, as apostas esportivas movimentariam entre R$ 7 e 10 bilhões por ano, gerando uma receita significativa para o erário brasileiro. Da mesma forma, estima-se que o mercado brasileiro tenha potencial para gerar R$ 74 bilhões em receita bruta e R$ 22 bilhões em receita tributária a cada ano, criando cerca de 650 mil empregos diretos. Parece uma oportunidade grande demais para deixar passar.