Por Leticia Navarro, jornalista da G&M News.
Se retrocedermos no tempo, o advento dos jogos e apostas remonta através de registros históricos deste início com os jogos bélicos, onde se utilizavam pedras, lanças ou flechas, sendo o vencedor aquele que acertasse determinado alvo. Ao invés de quantias em dinheiro, que hoje seduzem milhões de apostadores em todo o mundo, nossos antepassados apostadores eram agraciados com alimentos, animais, casas e até mesmo com armas. Assim, nestes registros seculares, quando jogar e apostar até o final do século XIX ainda era um passatempo exclusivo das classes sociais mais abastadas, em contrapartida era também um entretenimento e busca de riqueza pelos menos favorecidos.
O JOGO EM PORTUGAL. UMA HISTÓRIA NASCIDA NA REALEZA
Nesta máquina do tempo, precisamente em 18 de novembro de 1783, data em que a Rainha D. Maria I concedeu à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a primeira autorização para explorar uma lotaria anual sob a tutela e fiscalização da Fazenda Real, a lotaria foi lançada pela primeira vez em Portugal. Nasce assim o primeiro jogo de apostas organizado em Portugal. A primeira extração da Lotaria Nacional portuguesa ocorreu, com mais exatidão, no dia 1º de setembro de 1784, tardando 34 dias até se conhecer o vencedor do prémio, no valor de 12.000 réis.
Como ainda hoje ocorre, os lucros obtidos da venda da lotaria eram destinados ao apoio de causas sociais. Catorze anos após o primeiro sorteio, a lotaria foi suspensa, retornando somente em 1804, quando então ficou mais sete anos na ativa até novamente ser suspensa, devido às invasões francesas. Em 1892, deixando de ser de alçada régia, e já restabelecida no país, a Lotaria passou a ser explorada, em regime de exclusividade, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
O SALTO DA LEGALIZAÇÃO DE UM SÉCULO A OUTRO
A legislação portuguesa e todo o processo de legalidade só se estabeleceu realmente no século XX, através do Decreto nº 14.643 de 3 de dezembro de 1927. Este decreto determinava em seu Artigo 1º o seguinte: “Os jogos cujos resultados são inteiramente contingentes, não dependendo a perda ou o ganho da perícia, destreza, inteligência ou cálculo do jogador, denominam-se jogos de fortuna ou azar”.
Também definia onde poderiam ser instalados os casinos, modalidade com grande expansão na época. A amplitude de tal Decreto estabeleceu ainda como seriam feitas as concessões da exploração dos jogos, direitos e deveres, impostos arrecadados, fiscalização e até mesmo como os casinos deveriam ser. A Lei de 1927 foi um marco na liberação e propagação do jogo a todas as esferas sociais, descriminalizando e enquadrando legalmente o setor dos jogos de fortuna e azar, estabelecendo-o como uma fonte de receitas para o Estado e a proteção dos jogadores.
MUDANÇAS NAS LEIS: PROIBIR OU REGULAMENTAR?
Após o período áureo possibilitado pela implementação da regulação em 1927 dos cassinos e jogos em Portugal, o cenário das apostas começou a sofrer novas mudanças. Isto aconteceu especificamente em 1948, quando o Governo deu início a uma política de restrição aos jogos de azar, com a finalidade de acabar definitivamente com a prática em Portugal. Através de um Decreto-lei publicado no mesmo ano, criou-se o Conselho de Inspeção de Jogos, em substituição ao existente Conselho de Administração de Jogos. O caminho para a proibição do jogo em Portugal estava sendo traçado. No entanto, é publicado o Decreto-lei nº 41.562, em 1958, que estabelecia um novo parâmetro legal para a prática de jogos, onde na nova regulamentação prevalecia a importância do turismo internacional e a preservação da sociedade diante da clandestinidade dos jogos e casinos.
Desta forma, com este decreto, o Governo português evidenciava a intenção de disciplinar a exploração, fiscalização e defesa dos interesses do Estado. Nestas idas e vindas da legislação dos jogos em solo português, veio o Decreto-lei nº 48.912, de 18 de março de 1969, quando foi introduzida uma simplificação formal do regime jurídico do jogo por ajustes legais aos já existentes. O resultado deste vai e vem das roletas foi a atual legislação lusitana, mais amplamente definida na década de oitenta, através do Decreto-lei nº 422, de 2 de dezembro de 1989, com a “Lei do Jogo”, sendo o mais recente em Portugal na questão da legislação dos jogos de azar. O foco desta última lei se baseia em aspectos turísticos, arrecadatórios, de fiscalização e funcionamento dos casinos e casas de apostas.
EVOLUÇÃO DAS LEIS. DO MUNDO PRESENCIAL AO ONLINE
Em todo este processo legal que incidiu ao longo dos anos nos jogos e apostas em Portugal, não há como deixar de lado o surgimento dos jogos online. Acompanhar juridicamente e estabelecer uma legislação diante do crescimento desta modalidade fez parte da agenda do Governo lusitano, sem dúvida. Sendo assim, em 2015, houve uma modificação importante da legislação do jogo nacional, com a inclusão da permissão de sites dedicados ao jogo online. Esta alteração estabeleceu que o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) seria o responsável pela regulação dos sites de jogo autorizados em Portugal, através da emissão da uma licença, e também iria controlar os jogos autorizados.
Além disso, é também responsável por delinear a estratégia tributária para o jogo, em conjunto com o Governo português. Atualmente, Portugal tem uma das legislações mais rigorosas sobre o jogo online, quer em termos de requisitos necessários para a emissão da licença, mas também em termos de medidas obrigatórias de promoção do jogo seguro e de impostos praticados. As operadoras são obrigadas a disponibilizar medidas do jogo responsável, como a possibilidade de auto exclusão e a definição de limites de gastos nas apostas.
Diante de todo este processo de adaptação jurídica, regulamentação e os vários elementos que vieram neste transcorrer legal dos jogos e apostas em Portugal, não há como negar que a contribuição para a segurança, confiabilidade e experiência de jogo alcançou níveis muito mais evoluídos atualmente no mercado português. Ainda em constante transformação, mais leis poderão surgir revendo a regulamentação, como parte de um processo saudável e até mesmo obrigatório. Afinal, a experiência dos apostadores e a sua segurança serão sempre aspectos que deverão ser tidos em conta no mundo dos jogos.