Por Anamaria Bacci, jornalista e tradutora da G&M News.
Como nasceu o estúdio Rogue Snail? Com quais perspectivas e valores?
A Rogue nasceu em 2014, logo depois do fracasso do meu primeiro empreendimento, a Critical Studios. Aprendi lições duras, mas muito importantes na Critical, e passei mais de um ano ‘mochilando’ pelo Brasil, visitando diferentes equipes por todo o país e tentando pensar um novo formato de fazer jogos que funcionasse melhor do que a Critical (que era basicamente uma imitação do modelo de estúdio americano e europeu, incluindo o ‘crunch’ e a atmosfera tóxica de trabalho). A Rogue foi pensado desde o início como um estúdio 100% remoto, focado em diversidade de pessoas e qualidade de vida. Sabíamos que para atrair os melhores profissionais nós iríamos sempre competir com os gigantes da indústria mundial, então precisávamos oferecer algo que eles não oferecem: humanidade. Nós focamos nas pessoas em primeiro lugar, e acreditamos que um time feliz e que se sente seguro e respeitado no ambiente de trabalho vai sempre entregar resultados excelentes.
Entre seus jogos, está o Chroma Squad. Por que um gênero tão externo aos nossos costumes como o Tokusatsu teve tanto sucesso na América Latina?
O Chroma Squad é um jogo da nossa querida Behold Studios, do qual tivemos o enorme prazer de participar. Acredito que a cultura brasileira sempre foi ‘misturada’. Temos aqui a maior população japonesa fora do Japão, por exemplo. E quem foi criança nos anos ‘90 cresceu assistindo Changeman, Flashman, e depois Power Rangers na TV aberta. Na minha humilde opinião, o Tokusatsu tem um lugar no coração do brasileiro de 20 a 30 anos de idade tão legítimo quanto no do japonês. E o Chroma Squad foi um jogo feito com muito coração e muita alma.
Como apareceu a saga Relic Hunters? Qual é o seu sucesso?
Na época do Chroma Squad, eu e o Betu Souza participávamos de muitas ‘game jams’ juntos. Game Jams são eventos em que os participantes têm que tentar fazer um jogo completo em um espaço extremamente curto de tempo (normalmente 48h). Foi participando de uma dessas Jams que o Betu e eu criamos um jogo chamado Space Jimmy. Mas infelizmente, eu fiquei doente durante o evento, e como eu era o único programador no time, tivemos que desistir. Mas eu e o Betu estávamos nos divertindo tanto com o jogo que continuamos a trabalhar nele por conta própria no outro final de semana, e em vários finais de semana depois dele. Acabamos com um jogo que era “pequeno demais pra vender, mas grande demais pra não lançar na Steam”, em nossas palavras na época. Como estávamos ocupados com o Chroma Squad e outros projetos, decidimos lançar o jogo gratuitamente e de forma OpenSource em 2015. Pra nossa surpresa, o jogo organicamente atingiu mais de um milhão de jogadores e formou uma comunidade à volta dele, que criava modificações, fan art, fan fics, etc. Com o sucesso do Relic Hunters Zero, como foi chamado esse jogo gratuito, nos decidiu investir na marca Relic Hunters e fizemos um Kickstarter para o nosso novo projeto em 2017. E cá estamos!
Como você vê o mercado brasileiro de videogames hoje? Alguma coisa mudou em comparação a dez anos atrás quando você começou?
Estamos melhores do que nunca, mas confesso que estamos aquém do nosso potencial e da visão que eu tinha pro-mercado há mais de 10 anos. Nós temos alguns dos desenvolvedores mais talentosos do mundo individualmente, mas sem um ecossistema maduro que proporcione melhores oportunidades pra esses profissionais, nós continuamos perdendo talento para as empresas de fora. Eu acredito que o Brasil pode se tornar uma potência no desenvolvimento de jogos assim como a China, a Coréia e o Canadá nos últimos anos. Muitos outros pensam como eu, e estamos trabalhando todos os dias para fazer isso acontecer!
Quais são os hábitos e perfil do jogador brasileiro? Quanto mudou a cena após a chegada do COVID-19?
O jogador brasileiro joga muito no celular e gosta muito de experiências multiplayer e sociais, além de jogos Free-to-Play e competitivos. Infelizmente, os jogos brasileiros ainda não se destacam nessas categorias, que são dominadas por empresas mais maduras com orçamentos grandiosos. Com a COVID-19, vimos um crescimento no número de jogadores e no engajamento, o que trouxe desenvolvimento a muitos setores ligados a jogos no Brasil, como e-commerce, Esports e streaming. Para as desenvolvedoras brasileiras, apesar do crescimento do público não ter aumentado tanto, vimos um aumento significativo nas oportunidades internacionais, com mais investimento e interesse em jogos mundialmente.
Você participou da BIG Festival Brasil deste ano? Costuma participar? Qual foi a sua conclusão?
Esse ano foi apenas como palestrante. A Rogue participa todos os anos, e o BiG Festival é o maior evento que temos no país para desenvolvedores, e já trouxe muitos bons negócios pra Rogue. É uma conquista e um patrimônio brasileiro que espero que dure por muitos anos e traga muito mais frutos.
No site vocês mencionam o lema “espalhar o amor através dos jogos”. Como você pode transmitir essa paixão aos seus jogadores?
Em primeiro lugar, garantindo que todos os dias o nosso time está trabalhando no jogo com alegria e com amor. Um time cansado, estressado, que não se sente seguro, ou que sente que não tem autonomia sobre o próprio trabalho faz apenas o mínimo necessário para receber o salário no fim do mês. Acreditamos que o nosso foco no ser humano transparece em nossos jogos, seja nas histórias, na arte, nas músicas, e na jogabilidade e sistemas sociais do jogo.
Quais projetos você tem para o restante de 2021 e nos próximos anos?
Nosso carro-chefe é e sempre será Relic Hunters. Além do Relic Hunters Legend, que será lançado ano que vem, estamos trabalhando em um spin-off exclusivamente mobile chamado Relic Hunters Rebels. Também temos um novo projeto, ainda não anunciado, em parceria com a Kowloon Nights, que não é relacionado a Relic Hunters e que almeja levar a cultura e a história brasileira para o resto do mundo!