Por Anamaria Bacci, jornalista e tradutora da G&M News.
Como foi a sua entrada na indústria do jogo presencial? O que te atrai deste setor?
Entrei nesta indústria por ‘acaso’. O grupo empresarial onde colaborava como economista concorreu, no âmbito da diversificação da sua atividade, ao concurso público para a atribuição de três concessões de jogo nos Açores; daí resultou ter ficado com duas concessões de jogo, nas ilhas de São Miguel e Terceira. E eu fiquei incumbida de desenvolver este dossier, de lançar esta área de negócio nos Açores.
Vânia, você tem mais de seis anos no Casino Azores. Qual é o seu balanço? O que você aprendeu e quais foram suas contribuições pessoais para o progresso da companhia?
O balanço é muito positivo. Primeiramente, porque conseguimos superar as dificuldades que se colocaram no caminho deste projeto, de implementação do jogo territorial nos Açores. Fizemo-lo num contexto de severa crise económica e financeira no nosso país, e debaixo de muitas incertezas, a começar pelo facto de ser um sector de atividade completamente novo na região. Por mais rigorosas que sejam as projeções, quando se lança um negócio sem qualquer histórico num determinado mercado, existe sempre uma forte componente de incerteza, de dúvidas. Mas acreditámos que seria possível fazê-lo com êxito, acrescentar algo à oferta e à economia local, contribuir para o seu desenvolvimento, e seguimos caminho com a determinação de quem não pondera desistir. E falo no plural porque fui apenas uma peça do xadrez. Contei com a confiança e ajuda de pessoas muito boas, como profissionais e como seres humanos. E depois de mais de cinco anos, os resultados estão à vista. Nas duas concessões conseguimos uma muito valiosa integração no mercado, com uma boa aceitação no que respeita à nossa oferta de jogos, direcionada aos locais e ao turismo, e uma grande interação no papel de empregador e dinamizador da economia da região. Quando me pergunta o que aprendi e em que contribuí, tenho de começar por referir que, no que respeita ao jogo em si, tive de aprender tudo; a minha ignorância era quase total. Tive a sorte de ter ao meu lado, como meu ‘tutor’, um dos maiores conhecedores da atividade no país, o Sr. Manuel Correia, alguém que dispensa apresentações no meio, com décadas de experiência e de sucessos, de que se destaca o Casino Lisboa, um projeto com um forte cunho seu. Como meus contributos pessoais identifico a resiliência, a capacidade de fazer acontecer, mobilizando e organizando pessoas e recursos. O facto de não ter qualquer experiência na implementação e gestão de casinos, e de a ter em diversas outras áreas (da consultoria à gestão de empresas em sectores como o automóvel, turismo, promoção imobiliária, indústria) acabou por levar a que fizesse uma abordagem diferente à gestão do negócio do jogo, com princípios e práticas de gestão comuns e muito ‘testadas’ noutros negócios, o que creio ter sido um contributo positivo.
Como descreveria a indústria do jogo presencial em Portugal, quanto à variedade de operadores, características dos jogadores e diversidade na oferta de jogos nas salas?
Os cassinos em Portugal foram, durante muitos anos, locais de entretenimento, cultural e socialmente modernos e atrativos, que proporcionavam experiências memoráveis, e procuraram ter uma dinâmica permanente de ‘surpresa’, funcionando como fator de atração de frequentadores e jogadores. Este é um denominador comum a todos os casinos, cujas características (instalações, tipo de animação cultural e artística, sazonalidade e outras) variam, consoante a sua área de implantação. Um casino instalado na cidade capital do país conta com um público e com dinâmicas sociais bastante distintas das que se observam numa área de implantação como o Algarve, marcadamente turística e muitíssimo sazonal. No que concerne à oferta dos jogos, esta foi sempre o mais abrangente possível, quer nos jogos bancados quer nos não bancados, inclusive com a realização de torneios nacionais e internacionais, assim como de jogos de demonstração. Não têm existido grandes alterações no que respeita à implementação de novos jogos ou variantes dos existentes, em grande parte devido à dificuldade na criação de novas leis ou alteração das mesmas para esse fim. Os jogadores são muito diferentes, segundo a idade, localização, e, portanto, o cassino onde jogam, e o jogo. As novas gerações dão preferência a jogos onde a interação jogador/jogo está mais presente, e a jogos com mais oferta em termos de apostas. A geração mais sénior, na sua maioria, mantém-se fiel ao jogo de Banca Francesa, rápido e simples, e ao jogo de roleta, mais tradicional.
Que sistema tributário é aplicado hoje aos operadores do jogo terrestre em Portugal? Como o Casino Azores controla essa carga impositiva?
Os casinos em Portugal são tributados diretamente sobre a receita bruta obtida anualmente pela exploração dos jogos (salvo uma exceção), em percentagens que variam entre 10% e 50% consoante os anos de exploração, a sua localização e o mercado que abrange. Para além deste imposto anual, sobre a receita bruta, há que considerar também o valor pago no início do contrato de exploração, pelo que, no conjunto, a tributação poderá atingir uma média anual de cerca de 60% ou mais. Acrescem, também, ao imposto sobre a receita bruta e ao custo da licença de exploração, o pagamento de um valor para comparticipação anual das despesas do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, e, ainda, obrigações de gastos mínimos com animação, espetáculos, cultura e apoios ao desporto. Tudo somado, os casinos geram as receitas que sustentam uma parte muito considerável do investimento do Estado Português na organização, apoio e promoção do Turismo no país.
Como o seu casino está se recuperando do encerramento de operações pelo COVID-19? De que maneira mantiveram os vínculos com os apostadores e habituais clientes da sala durante a pandemia?
Não podemos falar, ainda, em recuperação. Reabrimos portas, o que é, em si, motivo de grande satisfação, porque nos faz voltar a olhar em frente, porque nos alegra estar de novo com os nossos colaboradores, com os nossos frequentadores, com o ‘mundo’, depois de meses de ‘desconexão’. Os números são ainda muito modestos, mas notamos que os frequentadores estão felizes por voltar, que temos novos visitantes, que encontram nos nossos espaços, a tão importante e valorizada, segurança sanitária, conciliada com a tão almejada e necessária diversão e socialização. Estamos muito satisfeitos por estar de volta e confiantes na retoma da atividade nos Açores.
Qual é sua análise sobre o trabalho do regulador, o Serviço de Regulação e Inspeção do Jogo do Instituto de Turismo de Portugal (SRIJ)? É a Associação Portuguesa de Casinos a entidade que permite unir as queixas dos operadores frente ao regulador?
O Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, organismo integrado no Turismo de Portugal (SRIJ), é a entidade que regula e inspeciona a atividade do jogo presencial no país, competindo-lhe a atribuição de fazer cumprir a lei e regulamentação do jogo. O SRIJ é importante e deve manter-se como garante da legalidade e boa exploração dos casinos. No entanto, a exemplo de outras entidades reguladoras e fiscalizadoras, a inspeção presencial que pratica poderia ser mais complementada e, em alguns casos, até substituída pelos meios tecnológicos atualmente disponíveis. Seria desejável também, e para todos -operadores e frequentadores- que a este serviço fossem dadas competências/poderes que o possibilitassem ter uma posição mais flexível em relação à constante evolução das regras e dinâmicas de cada jogo, e à implementação de novas e diferentes ofertas, que vão surgindo como consequência do desenvolvimento tecnológico e mudanças sociais. Sobre a Associação Portuguesa de Casinos, compete representar e dar uma voz comum ao sector de atividade, e contribuir para o desenvolvimento deste, pondo ao dispor das entidades que legislam e regulam o jogo, o conhecimento e experiência dos operadores. Nem todos os casinos/concessionárias pertencem à APC, pelo que a sua intervenção junto do regulador é sempre parcial, não deixando, no entanto, de ser importante.
Que expectativas têm para o futuro sobre o progresso da indústria do jogo em Portugal? Quais são as principais metas de Casino Azores para os próximos anos?
Em relação ao futuro da indústria de jogo (territorial) em Portugal, é de esperar um crescimento lento, mas gradual, sendo para isso necessário criar um leque mais diversificado de oferta, que não se deve limitar apenas ao tipo de jogos existentes atualmente, mas também às áreas de lazer, restauração e espetáculos. Sendo Portugal um destino privilegiado para o turismo, os casinos deverão estar preparados para oferecer a todos os que quiserem jogar, uma variedade de jogos e um desempenho de nível elevado, de forma a podermos proporcionar uma experiência diferenciada. A propósito das questões frequentemente levantadas sobre o risco de o jogo online substituir o jogo territorial, acho que casinos físicos terão sempre a sua importância e lugar, criando-se espaços lúdicos interessantes e atrativos. Tal como os jogos de computador/simuladores e as transmissões televisivas de futebol ou corridas de automóveis não retiram espectadores dos estádios e autódromos, também o jogo online não retirará, pelo menos num futuro próximo, os jogadores das salas de jogos.
1 comentário
Pingback: As entrevistas mais interessantes do ano (parte 2) – Gaming And Media